Noite Escura – São João da Cruz

 

São João da Cruz

“Em uma noite escura
De amor em vivas ânsias inflamada
Oh! Ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Estando já minha casa sossegada.

Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! Ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Estando já minha casa sossegada.

Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa alguma,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.

Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em lugar onde ninguém aparecia.

Oh! noite, que me guiaste,
Oh! noite, amável mais do que a alvorada
Oh! noite, que juntaste
Amado com amada,
Amada no amado transformada!

Em meu peito florido
Que, inteiro, para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.

Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.”

A Pequena Via

Por Matheus Silva de Paula

“Disse-lhes Jesus: Deixai vir a mim estas criancinhas e não as impeçais, porque o Reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham.” (Mateus 19, 14)

É extremamente importante para o católico o cultivo da espiritualidade. Por ela, nos ligamos a Deus de forma íntima, mística. A fé não sobrevive sem esta união. O Pai, com grande misericórdia, torna possível a nós esta união, através das diversas formas de percorrer um mesmo caminho: o caminho da salvação. Resta a cada um de nós a escolha.

Por esta razão, devemos buscar o conhecimento da Igreja de Cristo, de seus ensinamentos, e de seus santos. Através destes tesouros de nossa Igreja, podemos descobrir o caminhar com o qual melhor nos identificamos, e assim tomarmos a nossa cruz. Irmãos, Deus é tão perfeito que não olvidou nenhum detalhe! Ele nos abre o caminho e nos ensina a caminhar. E ensina a cada um conforme suas necessidades e capacidades. Como nos diz Jesus, o Pastor chama as ovelhas pelo nome e as conduz à pastagem (Jo 10, 13).

Ele coloca setas para que não nos desviemos do rumo. Estas setas são os santos a nos mostrar Deus, cada um ao seu modo, mas sempre apontando o mesmo Deus. Uma destas setas, colocada piedosamente pelo Senhor, é Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face.

A caminhada espiritual que esta santinha tem a nos mostrar é a Pequena Via, que significa “Caminho Humilde”. É também chamada Infância Espiritual. Teresinha, vendo-se pequena diante de tantos santos e seus atos extraordinários, imaginou se poderia alcançar a santidade, sendo ela um nada, perante eles e principalmente, perante Deus. Percebeu que em seu questionamento estava a chave que abriria as portas do seu caminhar: a pequenez. Necessário seria a ela fazer-se pequena, para que pudesse se deixar conduzir pelo Pai.

Tal como uma criança ela se fazia, e como o filho é carregado pelo pai, assim ela desejava ser: não caminharia com as próprias pernas – ou seja, não por mérito próprio – mas se deixaria levar por Jesus. Como um recém-nascido, seu dever era aprender tudo: falar, comer, andar… Olhava tudo com novos olhos, como olhos de um espírito infantil, que buscava tirar de tudo uma lição de simplicidade; algo que a ensinasse a ser pequena, que a ensinasse sua pequena via.

Vivendo, Teresa ia construindo, aprendendo e percorrendo o seu caminho de santidade. Em suas limitações, descobria maneiras de depender ainda mais de Deus. Em seus defeitos, via oportunidades para construir sua espiritualidade. No Carmelo, fazia suas tarefas como se as fosse entregar ao próprio Jesus; mesmo aquelas mais penosas, obrigou-se a tomar gosto, e assim, oferecer os sofrimentos e a dificuldade em sacrifício. Desejava fazer as coisas ordinárias tão bem, de modo que as tornasse extraordinárias. Tal desejo pode se tornar também o nosso.

Quantas pequenas coisas fazemos com descaso, com desejo de nos livrarmos delas? Quantas dificuldades nos apressamos em pedir a Deus que nos retire? Não precisamos ser fortes apenas ante as maiores desgraças, mas também nas pequenas coisas do cotidiano. Vencer estas simples barreiras pode ser mais custoso que vencer grandes batalhas, pois não há glória terrena nas pequenas vitórias, ninguém as vê.

Deus, porém, enxerga os seus filhinhos, e recompensa a cada um na medida e no tempo certos. E como nos é pesado esperar este tempo! Santa Teresinha nos vem ensinar a transformar nosso espírito orgulhoso, sedento de grandes feitos e glórias, em espírito de criança, que tudo espera do Pai. Espírito infantil que não deseja crescer, que quer caber para sempre no colo do pai, e brincar de mãos dadas com o Menino Jesus, caminhando docemente para o céu. Ela aprendeu que, para subir a montanha da santidade, precisava ser criança, humilde o suficiente para aceitar que precisava dos outros, que não poderia salvar-se por si mesma.

Se o céu possui muitas moradas, os pequenos, por certo, podem conseguir algumas delas. O que a Santinha de Lisieux mostra, é que Deus não nos inspira desejos impossíveis de se realizar – o que ela aprendeu com São João da Cruz. Assim, é perfeitamente possível ser santo, independente do tamanho da alma. O céu tem lugar para os grandes e para os pequenos que fazem por merecê-lo; para os que sobem à pé o monte, e para os que buscam o ascensor.

A Pequena Via não foi inventada por Teresinha. Está contida nas Sagradas Escrituras, nos ensinamentos de Cristo acerca da humildade e da pequenez. Está embutida na comparação que o Divino Filho faz dos possuidores do Reino dos Céus às criancinhas: “Foram-lhe, então, apresentadas algumas criancinhas para que pusesse as mãos sobre elas e orasse por elas. Os discípulos, porém, as afastavam. Disse-lhes Jesus: Deixai vir a mim estas criancinhas e não as impeçais, porque o Reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham.” (Mateus 19, 13 -14) Ela nos ensina de forma fiel aos ensinamentos do Crucificado, uma via simples, humilde, pequena, de fácil compreensão: a Pequena Via é uma vida de confiante entrega à Vontade Divina, adotando para si um coração de criança.

 

Colher as rosas sem temer os espinhos…

Por que Jesus deseja que nos façamos como crianças? Só o coração puro e desprovido de ambições, como é o coração de criança, pode confiar e se entregar totalmente ao Pai, sem temer os obstáculos do caminho. Este coração consegue se tornar santo não para beneficiar a si próprio, mas para agradar a Deus.

Trilhar a Pequena Via é ser como Santa Teresinha foi: viver para Deus, santificando-se pelo ordinário, aceitando o destino e os sofrimentos, e transformando-os em mais passos rumo ao céu. Não se preocupar consigo mesmo, com sua vida; apenas viver, colhendo as rosas… sem temer os espinhos.

© Copyright Sociedade Católica

__________ Para citar: PAULA, Matheus Silva de. Apostolado Sociedade Católica: A Pequena Via. Disponível em: http://www.sociedadecatolica.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=524 Desde 17/10/2009

Mortificação – Caminho de Santidade

Por Ana Maria Bueno Cunha

“Se unirmos as nossas ninharias – as insignificantes e as grandes contrariedades – aos grandes sofrimentos do Senhor-Vítima – a única Vítima é Ele! -, aumentará o seu valor, tornar-se-ão um tesouro e, então, tomaremos com gosto, com garbo, a Cruz de Cristo. – E não haverá assim pena alguma que não se vença com rapidez; e não haverá nada nem ninguém que nos tire a paz e a alegria.” (São Josemaria Escrivá – Forja – ponto 785)

Após a queda de Adão, todos os homens nasceram no pecado e ficaram, todos, desprovidos da glória de Deus. Isto consiste em dizer que todos estavam literalmente condenados a viver eternamente longe D’Ele. Não por vontade divina, mas por vontade do homem que decidiu desobedecer, tendo como consequência, a perda de todos os dons que o capacitava a ver e viver em Deus e com Deus. Mas o Senhor que é amor, o chamou novamente à vida, juntamente com Cristo, quando O enviou para que os remissem e remidos, pudessem ter de novo a graça perdida, sem a qual jamais tornariam a ve-LO.

Aquele que ouve Seu chamado e aceita Seu convite, recebe, pelo Batismo, a filiação divina. Este começa então o “seu exodo”, que consiste em sair do pecado, lutar contra ele, para viver em união com Deus, participando da Cruz do Senhor. Temos que sair desta terra para entrar no céu, portanto, temos que morrer, já que a morte, além de ser a consequência do pecado, é a condição necessária para nossa definitiva identificação com Cristo. ”Pois quem quiser ganhar a sua vida perde-la-á, o que, pelo contrário, perca sua vida por Mim, esse salva-la-a” (Lc 9,24) e segundo São Paulo, não somos já devedores da carne, para vivermos segundo a carne, mas somos obrigados a viver segundo o espírito; e, se vivemos pelo espírito, andemos segundo o espírito, que nos imprime no coração a inclinação para a cruz e a força de a levar.

Para ser completa a vitória, não basta renunciar aos prazeres maus (o que é de preceito); é preciso ainda sacrificar os prazeres perigosos que conduzem quase infalivelmente ao pecado, em virtude do princípio: “quem ama o perigo, nele perecerá”; mais ainda, é necessário privar-se de alguns dos prazeres lícitos, a fim de robustecer assim a vontade contra a sedução do prazer perigoso: é que, efetivamente, quem quer que saboreia sem restrição todos os deleites permitidos, está bem perto de resvalar aos que o não são.

Para tanto, temos que nos desprender das coisas da terra e buscar as do céu, onde nossa vida está escondida com Cristo em Deus. A carta aos Hebreus XIII,14 nos diz que o Senhor não nos criou para construirmos aqui uma cidade definitiva, porque este mundo de provas é caminho para aquele mais excelente, que é morada de Deus, onde somos convidados a viver sem choro, sem dor, mas somente em eterno louvor, na posse do amado, por qual suspiramos enquanto padecemos. Imitar e seguir a Cristo, deve ser nosso objetivo, para vivermos na esperança enquanto lutamos, nos despojando do velho homem, e nos revestindo do novo, que vai se forjando à imagem de Cristo.

“O Filho Unigenito do Eterno Pai quis fazer-se homem, para que nós fossemos conformes a imagem do Filho de Deus e nos renovássemos segundo a imagem dAquele que nos criou. Pelo que, todos se gloriam de ter o nome de cristãos, não só hão de contemplar o nosso Divino salvador como um excelso e perfeitiismo modelo de todas as virtudes, mas alem, disso, pelo solicito cuidado de evitar os pecados e pelos mais esmerado empenho em exercitar a virtude, hão de produzir de tal maneira nos seus costumes a doutrina e a vida de Jesus Cristo, que quando aparecer o Senhor serão feitos semelhantes a Ele na glória, vendo-O tal como é.“ (Mystici Corporis n. 21)

Morrer para o pecado e renascer para uma vida nova – “Pelo Batismo os homens são efetivamente enxertados no misterio pascal de Cristo: morrem com Ele, são sepultados com Ele e ressuscitados com Ele” (Sacrasantum Concílo n.5) -, eis nosso itinerário neste mundo, e para chegarmos a termo, haveremos de entrar numa luta de morte entre o homem velho com suas concuspicências e o novo, revestido de Cristo. Este haverá de lutar e vencer, para merecer a coroa de Glória que está destinada aos vencedores.. A vida eterna – a posse de Deus.

É bom saber que o homem regenerado, espiritual, cheio da graça, doada pelo divino Espírito que o enche, – graças aos méritos de Cristo -, tem tendências sobrenaturais e divinas, age com a ajuda das graças atuais em atos de santidade e justiça diante de Deus. Já o homem velho, natural, carnal, permanece, – apesar de toda graça presente, – com suas concuspicências, que são a todo momento intensificadas pelo demônio e o mundo, que o levam ao amor desordenado, na busca de prazeres ilícitos e que o afastam de Deus.

A luta se encontra exatamente entre eles, o velho resistindo para não morrer e o novo querendo crescer para a eternindade, e quanto nos custa esta luta sem fim! O cristão há de entender que é uma luta dígna e extremamente necessária, que nos fará caminhar na alegria esperançosa de uma linda recompensa – sim, porque o Senhor recompensa aqueles que O amam. São Paulo nos exorta: ”Se viverdes segundo a carne, morrereis, se porém, com o espírito mortificardes as obras da carne, vivereis” (Rm 8, 13)

Quem então nos ajuda a mortificarmos as obras da carne, tão nocicas e que são empecilhos à santidade? O próprio Espírito Santo, que sempre nos recorda que há prazeres que levam a morte, mostrando-nos que exatamente estes devem-se a todo custo sacrificar, para que se faça a santa vontade de Deus, que não é outra se não nos levar a viver em comunhão com Ele. É Ele que nos leva a buscar as coisas do alto, a desapegarmos dos bens, das paixões, dos prazeres ilícitos.

Aqui entra definitivamente a vontade, ela deve ser submetida à graça que O Senhor envia, mostrando o caminho reto, que é estreito, sabemos disso, mas certo. Por isso a necessidade de mortificar a vontade e até mesmo crucifica-la, para ganhar esta batalha dificílima, mas totalmente possível, já que o Senhor colabora com aquele que quer de fato busca-Lo no meio de toda dificuldade.

Esta luta não termina enquanto estivermos neste mundo e para nossa tristeza, nunca “mataremos” este velho homem, mas podemos subjulga-lo, mortifica-lo, enfraquece-lo, ao mesmo tempo que usando da mortificação dos sentidos internos e externos, vamos fortalecendo o novo homem até que ele chegue a estatura de Cristo, nosso modelo e nossa meta.

Ninguém vive para Cristo, sem se reformar a si mesmo e só se reforma e se governa, com o combate das más tendências. Haveremos que desapegar de nossos erros, de nossos vícios, das criaturas, para nos orientarmos para Deus. Então saibam, que esta luta é extremamente necessária, mas chegará um momento em que aprenderemos a usar bem as armas que o Senhor nos dá, o inimigo tente a ver a força que temos e tende a enfraquecer os ataques. Humilhamos o inimigo pela nossa docilidade e disposição no combate e depois disso, ainda temos que vigiar e rezar, muito, pois ele não descansa na luta contra nós.

É certo também, que no momento em que nos decidimos a nos mortificar, é coisa ardua, mas depois vamos ganhando batalhas até chegar o dia da vitória final em Cristo Jesus, nosso Senhor.. Bendita seja a santíssima graça de Deus, sem ela não somos nada, mas com ela podemos destruir muralhas e os inimigos mortais de nossa alma. As armas que usamos são armas capazes de arrasar fortificações, já nos disse São Paulo, ele que nos ensinou que estas armas são para o combate e não para o descanso quando nos disse: ”Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé, não me resta mais que receber a coroa de justiça que me dará o Senhor.” (Ef 6,10)

A mortificação é um dos meios que devemos usar, além da penitência, para purificar nossas faltas passadas e nos preservar das presentes e das futuras, para nossa total santificação, sem o qual ninguém verá o Senhor que é Santíssimo. A mortificação nos ajuda, diminuindo em nós o amor ao prazer, que é a fonte de nossos pecados – (O prazer não é mau em si; Deus permite-o, ordenando-o a fim superior, o bem honesto; se liga o prazer a certos atos bons, é para facilitar e nos atrair assim ao cumprimento do dever), – mas ele pode ser muito ruim quando o deixamos dominar nosso corpo, até chegarmos a nos perder para Deus, quando sucumbimos ao pecado mortal, aí perdemos também nossa alma que é aquela que tende e suspira pelo Deus Vivo.

A Mortificação, portanto, é um meio para viver a vida de filhos de Deus. Deixamos o que não é necessário – (e discernir isso é uma grande sabedoria – só com a graça de Deus e ela sempre nos leva a Cristo – o que Ele rejeitou, rejeitemos também, o que Ele amou, amemos também), – para entrarmos de posse do que realmente tem valor, já que são imperecíveis e eternos, que é a vida do próprio Deus. E como nos ajuda o Senhor nesta vida, para permanecermos fieis ao seu chamado a santidade e perseverança. Unidos aos méritos de Cristo, temos além de suas graças santíssimas, Nossa Senhora, os anjos e os santos que sempre estão a nosso favor.

Existe mortificações que são necessárias para não se perder a salvação, por isso a importância desta prática. Muitos se enveredam em pecados até que um dia, por não vigiarem e se mortificarem, rejeitando o mal, caem em pecado mortal, e como já estão endurecidos e surdos aos chamados de Deus, não se arrependem, podendo, como disse, perder a salvação.

Todas as vezes que se foge das ocasiões de pecado, tem-se a alma fortalecida e ela se compraz em buscar solidamente o que é bom, lícito e santo. A Igreja muito sabiamente nos prescreve algumas obrigações, para nos ajudar em nossas mortificações: Abstinência das sextas feiras, (que muitos pensam terem sido abolidas), o jejum Quaresmal, das Têmporas e Vigílias, e o cristão deve obediência a elas.

Precisamos fazer violência para entrar no Reino de Deus, se mortificar lutando contra as paixões e participando da união com Cristo. Como afirma São Clemente de Alexandria: “O Reino dos Céus não pertence aos que dormem e vivem dando-se todos os gostos, mas aos que lutam contra si mesmos” (Quis dives salvetur, 21).

Santa Tereza que se mortificava muito para fazer a vontade de Deus disse uma vez: “Nosso corpo tem essa manha, quanto mais o satisfazemos, mais necessidades inventa”.

O que temos de aprender é que devemos nos utilizar das coisas criadas para glorificar a Deus e que elas foram nos dadas para nos servirem para este fim, mas infelizmente muitos tem colocado toda sua confiança e luta na busca destas mesmas coisas, como se elas fossem o fim ultimo de suas vidas. Como se a felicidade dependesse do que se tem e quanto se tem. Se tornam cegos para Deus e chegam a cometter atrocidades para obte-las, tudo isso fruto da desordem causada pelo pecado. Infelizmente ainda se continua buscando o ter, o prazer, o ser, tal qual nosso primeiro pai Adão, depois da queda.

M. Oliver comparando a condição dos cristãos com Adão inocente diz que há uma grande diferença entre ambos. “Adão buscava a Deus, servia-O, adorava-O nas suas criaturas. Os cristãos, ao contrário, são obrigados a buscar a Deus pela fé, a servi-Lo e a adora-LO retirando de si mesmo, na sua santidade, separado de toda criatura” (Cat. Crietien, I.P.IV) .

Cristo nunca fugiu da dor e da Cruz, muito pelo contrário, Ele veio morrer porque quis e exatamente escolheu a Cruz por ser a morte mais ignominosa que existia, tudo por amor a nós. Sendo rico, se fez pobre, sendo dono do mundo passou penúrias. Poderia ter palácios, mas quis nascer numa estrebaria, foi humlide e obediente a ponto de deixar-se humilhar por suas criaturas, que Ele mesmo havia criado por amor. Foi escravo, dócil tal uma ovelha e exatamente por isso, Deus O exaltou soberanamente dando-lhe o nome que está acima de todos os nomes e diante do qual todo joelho se dobra, inclusive nos infernos, para o tormento do adversário, que quer fazer perder os homens justamente instigando neles, sentimentos e desejos totalmente opostos ao de Cristo.

Os de Cristo levam à vitória, os dele levam à condenação. Portanto, Cristo já nos ensinou que mortificar e morrer para o mundo é condição para se ter a vida. Se queremos segui-Lo cabe a nós carregarmos a nossa cruz e ainda ama-la. E só segue Jesus quem quer ser perfeito, como Ele é perfeito. O fraco logo desiste, porque muitas vezes acha que a força está nele, quando a força vem de Deus. O que Ele quer de nós, primeiramente, é o sim e depois que utilizemos a vontade fortalecida pela graça dele mesmo. A regra básica é esta, tudo que é inimigo de Cristo, é nosso inimigo também, portanto nada de andar de braços dados com o mundo, com o demônio e com nosso Eu vaidoso e endurecido. Rejeita-los, eis a sabedoria.

Interessante que pela cruz, eu e você podemos colaborar também para a salvação do mundo, quando oferecemos nossos sacrifícios e mortificações os unindo aos sofrimentos de Cristo, para obtermos graças para a Igreja. Isto é divino e muito nos estimula a lutar.

Jesus disse que cada dia basta o seu cuidado, isto vale tanto para a confiança em Deus como para nossas práticas de mortificação, porque além de lutar, temos que perseverar até o fim e para isso é urgente desapegarmos. Queridos, rejeitar o pecado é obrigação, é o meio ordinário para a santificação, já a mortificação é o que temos que fazer a mais para crescer na perfeição, pois este é o chamado de Deus para nós. Portanto, temos que ficar alertas para os obstáculos que se levantam para que não as cumpramos: o amor ao prazer e o medo da cruz, para não dizer pavor a ela.

Não queremos sofrer, não queremos provações, não queremos dor, não queremos desprezo, muito pelo contrário, queremos boa vida, queremos reconhecimento, queremos que todos nos achem bons. Doce ilusão, temos que aprender e desejar sermos nada diante dos homens e do mundo, para sermos tudo para Deus. Não, não é facil, mas é preciso buscar este fim, pois a recompensa é explendidamente maravilhosa, que é a vida eterna no Céu!!

“Há alguns que querem ser humildes, mas sem serem desprezados; querem contentar-se com o que tem mais sem padecer necessidade; ser castos, mas sem mortificar o corpo; ser pacientes, mas sem que ninguém os ultraje. Quando procuram adquirir virtudes, e ao mesmo tempo fogem dos sacrifícios que as virtudes trazem consigo, assemelham-se aos que, fugindo do campo de batalha, quereriam ganhar a guerra vivendo comodamente na cidade” (São Gregório Magno – Moralia,7 ,28,34)

Temos que começar pelo pouco para podermos ser fiéis no muito, tudo por amor a Deus. Nas pequenas contrariedades, nas afrontas, nas injúrias, nas dores, em tudo nos mortificarmos para tornarmos dóceis a Deus. Quando percebermos, estamos já amando a cruz e até a desejando, como fizeram aqueles “loucos” dos santos, que o mundo nunca entendeu, mas que hoje estão diante de Deus na alegria eterna. Se alegravam por saberem que Deus os permitiu sofrer afrontas… isto é coisa de Deus, que o mundo não conhece, mas que nós podemos ansiar e buscar.

Santa Tereza disse que ninguém pode enganar uma alma perfeita, porque ela sabe por experiência o valor das coisas terrenas. – os santos não foram enganados.

Dizia ela às suas filhas espirituais: “coisa imperfeita me parece este queixar-mo-nos constantemente de males ligeiros; se podeis sofre-los, não o façais. O mal, quando é grave, queixa-se por si mesmo […]. Fraquesas e males de mulheres, esquecei-vos de os lamentar. Quem não perde o costume de queixar-se e de contar tudo, a não ser a Deus, nunca acabará […] Sabei sofrer um pouco por amor à Deus, sem que todos o saibam […]Não me refiro a males sérios […], mas aos pequenos males que se podem suportar de pé. Lembremo-nos dos nossos Santos Padres passados…Pensais que eram de ferro? Se não nos decidirmos a tragar de uma vez a morte e a falta da saúde, nunca faremos nada” (Santa Tereza Dávila – cit. em J. Urtega, Deus e os filhos, Quadrante, São Paulo, pag.52)

O que devemos mortificar? Haveremos para vencer, de mortificar tanto os sentidos externos como os internos, já que todo o homem deve ser mortificado, para se tornar um homem equilibrado, na busca daquilo que realmente importa para a salvação e perfeição. Portanto, mortificar o corpo é muito salutar, já que decaído é um inimigo muito perigoso, pois está conosco em todo lugar e nos influencia negativamente porque não liga em buscar os prazeres ilícitos e quando muito desordenado, rejeita de toda forma o que a inteligência e a vontade propõe, que é a rejeicão ao que ele ama e que é nocivo.

Nosso corpo é templo do Espírito Santo, e para O acolhe-Lo bem deve estar em harmonia com o santo que nele habita. Devemos portanto vigiar sobre nossas posturas, roupas, – limpas e adequadas a idade e aos estados de vida, – para que não sejam causa de pecado nem para nós e muito menos para os outros. Alguns se impõe algumas mortificações que aos olhos de muitos chegam a ser exageros, mas para os que querem crescer de fato na santidade, no quebrantamento do seu eu, com a ajuda de um bom diretor espiritual, maceram o seu corpo usando cilícios, cadeias que apertam os rins, e escapulários de crina para a cintura.

Os olhos são a janela da alma, se eles são limpos todo teu corpo será limpo, nos disse Jesus. Mortificar a curiosidade dos olhos, os olhares maliciosos, rejeitando ver tudo o que pode destruir toda a luta iniciada é grande sabedoria, pois por eles, muitas portas de abrem. É preciso aprender a baixar a guarda, para não cair em tentação.

Os ouvidos e a boca também devem ser mortificados. Que luta travamos com este membro que como nos diz São Tiago, 3,5-6: “pode gloriar-se de grandes coisas. Considerai como uma pequena chama pode incendiar uma grande floresta! Também a língua é um fogo, um mundo de iniqüidade. A língua está entre os nossos membros e contamina todo o corpo; e sendo inflamada pelo inferno, incendeia o curso da nossa vida.” Sim, ela é um mal irrequieto que ninguém pode domar, a não ser com muita luta e ajuda de Deus. Esta deve ser nossa meta: não ouvir e não falar nada que seja contra a caridade, à pureza, pois como disse São Paulo: as conversas más corrompem bons costumes.

Por isso, andai com o povo santo, com aqueles que querem contigo trilhar o mesmo caminho até Deus, isso falicitará os passos. Mas também temos que aprender a viver neste mundo com toda a sorte de tentações e chamados ao erro. Santos no meio do mundo, em todos os lugares, para que sejamos luz e sal nesta terra. Podemos falar também da gula, do tato, do olfato que são fontes também de pecados se não forem devidamente educados e mortificados.

Sobre os sentidos internos, devemos ter grande ocupação em mortificar nossa imaginação e memória, que são grandes fontes de desvaneios e que pode nos levar a pecar. Já nos alertou São João da Cruz: “Eu queria que aqueles que desejam ter vida interior entendessem de uma vez por todas quanto dano da memória, quando fazem muito uso dela; quantas tristezas e aflições vãs os fazem ter […] e quantas impurezas lhes deixam arraigadas no espírito. Além disso costumam distrair do verdadeiro recolhimento, que consiste em por toda a alma, segundo as suas potências, no único Bem incompreensível, e tirá-la de todas as coisas apreensíveis” (Subida do Monte Carmelo, 3,4,2.).

Rejeitar o que não seja santo e lícito imediatamente é a chave para não caírmos em suas garras. Um grande bem deve ser utilizado logo que percebemos que estamos entrando em suas garras: se utilizar de bons livros, trabalho, e ocupações normais, orações, canções e o que podemos fazer que tem um valor imenso para inverter a situação, é meditarmos a paixão de Cristo ou alguma cena do Evangelhos.

A Escolástica diz-nos que paixões são movimentos mais ou menos violentos do apetite sensitivo, o qual nos apresenta o bem enquanto apreendido pelos sentidos. São duas as expressões deste apetite: a concupiscência e a irascibilidade. A concupiscência, perante o bem simplesmente apreendido pode gerar: positivamente, as paixões do amor, do desejo e do gozo; e negativamente, as do ódio, aversão, fuga, tristeza e dor. A irascibilidade, perante o bem árduo ou o mal árduo, pode gerar: a paixão da esperança ou a do desespero; a da audácia ou a do temor; e a da paciência ou a da ira. As paixões exercem forte influência na vida física, intelectual e moral das pessoas, daí a necessidade de, pela educação, favorecer as boas e neutralizar as más. É trabalho árduo dos pais e educadores, incluindo as pessoas a quem se pede orientação espiritual. (Conforme Dom Manuel Franco Falcão – Enciclopédia popular).

O combate a elas é também uma luta dura, mas totalmente possível porque contamos com as ajudas de Deus, que são fortíssimas. Mas é preciso querer, educar e mortificar a vontade que é no homem a faculdade mestra, a rainha de todas as demais faculdades, a que as governa, é ela que, por ser livre, dá não somente aos seus atos próprios (ou ilícitos), mas ainda aos atos das outras faculdades que ela manda (atos imperados). Regula-la é regular o homem todo. Se bem controlada, impera sobre todas as outras faculdades inferiores e as faz dóceis para obedecer a Deus. ( TANQUEREY, Adolph: A Vida Espiritual Explicada e Comentada. Anápolis: Aliança Missionária Eucarística Mariana, 2007. pg. 432).

Quem pode atrapalhar em nossa luta para educa-la? A irrefelexão antes de cada ação, quando agimos por impulso e quando não perguntamos o que Deus quer de nós naquela situação. A negligência, a preguiça, a indecisão, a paralizam ou a enfraquece. O medo de não conseguirmos nosso intento, quando nos esquecemos que Deus nos ajuda e colabora conosco na luta, faz que nossa vontade também se enfraqueca e muitas vezes sucumbimos.

Queridos, em útima análise, sempre, sempre, é com a graça de Deus que devemos contar, conscientes que sozinhos somos fracos e podemos nos perder diante de tantos ataques, portanto, devemos buscar sempre a humildade e a confiança neste Deus que nos ama. A renovação diária de nossos propósitos, as nossas orações, nossos clamores para que a graça de Deus nos ajude são muito importantes.

Então nossa vontade será forte, será livre para agir no caminho reto, e não nos entregaremos as paixões, que nos acorrentam. Haveremos de vencer, nossa razão e nossa vontade haverão de triunfar sobre os instintos e sobre toda sensualidade que nos afasta de Deus. Assim se realizará o objetivo que havíamos assinado à mortificação: submeter os nossos sentidos e faculdades inferiores à vontade, e esta a Deus, nosso Pai santo e amado.

Esta foi uma das orações de São Thomas More no cárcere, bem poderia ser a nossa:

”Dai-me, meu bom Senhor, uma fé plena, uma esperança firme, e uma ardente caridade; um amor por Vós, meu Senhor, incomparavelmente maior do que o amor por mim mesmo, e que não me prenda a nada que Vos desagrade, mas que todos os meus amores se ordenem para Vós. Dai-me, meu Senhor, um desejo de estar convosco, não para evitar as calamidades deste pobre mundo, nem para evitar as penas do purgatório, nem sequer as do inferno, ou para alcançar as alegrias do céu, ou em consideração ao meu próprio proveito, mas simplesmente, por autêntico amor a Vós”.(Thomas More, Um hombre solo. Cartas desde la torre, – Rialp, Madrid, 1989, pag. 125)

Amém e que o Senhor nos ajude!

Fonte: CUNHA, Ana Maria Bueno. Apostolado Veritatis Splendor: MORTIFICAÇÃO. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/5723. Desde 05/06/2009.

Doutrina sobre Dons Extraordinários

Por São João Da Cruz – Doutor da Igreja Livro III – Capítulo XXX .

1.

Agora é conveniente tratar do quinto gênero de bens nos quais pode a alma gozar-se: os bens sobrenaturais. Por eles entendemos as graças e dons concedidos pelo Senhor, superiores à habilidade e poder natural, chamados gratis datae, dons gratuitos. Tais são os dons de sabedoria e ciência conferidos a Salomão, e também as graças enumeradas por S. Paulo: “A fé, a graça de curar as doenças, o dom dos milagres, o espírito de profecia, o discernimento dos espíritos, a interpretação das palavras, enfim, o dom de falar diversas línguas” (Cor 12,9-10).

2. Sem dúvida, todos esses bens são espirituais, como os do sexto gênero, do qual nos ocuparemos mais tarde; todavia, existe entre eles diferença notável, motivo para distingui-las uns dos outros. O exercício dos bens sobrenaturais tem por fim imediato a utilidade do próximo e é para esse proveito e fim que Deus os concede, conforme diz S. Paulo: “E a cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito dos demais” (ib. 5,7). Isto se aplica a essas graças. Os bens espirituais, porém, têm por objetivo somente as relações recíprocas entre Deus e a alma, pela união do entendimento e da vontade, conforme explicaremos mais adiante. Assim, pois, há diferença entre o objeto de uns e outros; os bens espirituais visam só o Criador e a alma, enquanto os sobrenaturais se aplicam às criaturas; diferem também quanto à substância e, por conseguinte, quanto à operação, sendo, portanto, necessário estabelecer certa divisão na doutrina.

3. Falemos agora das graças e dos dons sobrenaturais, no sentido aqui dado. Para purificar a vã complacência que a alma neles pode achar, vem a propósito assinalar dois proveitos desse gênero de bens; um temporal e outro espiritual. O primeiro é curar doentes, dar a vista a cegos, ressuscitar mortos, expulsar demônios, anunciar o futuro aos homens, e outros semelhantes benefícios. O segundo é eterno, e consiste em tornar Deus mais conhecido e servido, seja por quem opera esses prodígios, seja pelos que deles são objetos ou testemunhas.

4. Quanto ao proveito temporal pode-se dizer que as obras sobrenaturais e os milagres pouca ou nenhuma complacência merecem da alma; porque, excluído o proveito espiritual, pouca ou nenhuma importância têm para o homem, pois em si mesmos não são meio para unir a alma com Deus, como é somente a caridade. Com efeito, essas obras e maravilhas sobrenaturais não dependem da graça santificante e da caridade naqueles que as exercitam; seja Deus as conceda verdadeiramente, apesar da maldade humana, como fez ao ímpio Balaão e a Salomão, seja quando exercidos falsamente pelos homens, com a ajuda do demônio, como sucedia a Simão Mago; ou ainda pelas forças ocultas da natureza. Ora, se entre tais graças extraordinárias algumas houvesse de proveito para quem as pratica, evidentemente seriam as verdadeiras, concedidas por Deus. E estas, – excluindo o seu proveito espiritual, – claramente ensina S. Paulo o seu valor dizendo: “Se eu falar as línguas dos homens e dos anjos, e não tiver caridade, sou como o metal que soa, ou como o sino que tine. E se eu tiver o dom da profecia, e conhecer todos as mistérios e quanto se pode saber; e se tiver toda a fé, até ao ponto de transportar montes, e não tiver caridade nada sou” (1Cor 13,1-2). Muitas almas que receberam esses dons extraordinários e neles puseram sua estima, pedirão ao Senhor, no último dia, a recompensa que julgam ter merecido por eles, dizendo: Senhor, não profetizamos em teu nome, e em teu nome obramos muitos prodígios? E a resposta será: “Apartai-vos de mim, os que obrais a iniqüidade” (Mt 7,22-23).

5. Portanto, jamais deve o homem comprazer-se em possuir tais dons a não ser pelo lucro espiritual que deles pode tirar, isto é, em servir a Deus com caridade verdadeira, pois aí está o fruto da vida eterna. Por essa razão nosso Salvador repreendeu seus discípulos quando mostravam muita alegria por terem expulsado os demônios: “Entretanto, não vos alegreis de que os espíritos se vos submetam; mas alegrai-vos de que os vossos nomes estejam escritos no céu” (Lc 10,20). O que, em boa teologia, significa: gozai-vos somente de que estejam vossos nomes escritos no livro da vida. Seja esta a conclusão: a única coisa na qual pode o homem comprazer-se é a de estar no caminho da vida eterna fazendo todas as suas obras em caridade. Tudo, pois, que não é amor de Deus, que proveito traz e que valor tem diante dele? E o amor não é perfeito quando não é bastante forte e discreto em purificar a alma no gozo de todas as coisas, concentrando-o unicamente no cumprimento da vontade de Deus; Deste modo se une a vontade humana com a divina por meio destes bens sobrenaturais.

Livro III – Capítulo XXXI . Dos prejuízos causados à alma quando põe o gozo da vontade neste gênero de bens.

1. A meu parecer, três são os danos principais em que a alma pode cair colocando seu gozo nos bens sobrenaturais: enganar e ser enganada, sofrer detrimento na fé e deixar-se levar pela vanglória ou alguma vaidade.

2. Quanto ao primeiro dano, é muito fácil enganar os outros e a si mesmo quando há complacência nas obras sobrenaturais. Eis a razão: para distinguir quais sejam as falsas das verdadeiras, e saber como e a que tempo se devem exercitar, é necessário grande discernimento e abundante luz de Deus: ora,o gozo, e a estimação de tais obras impede muito estas duas coisas. Isto acontece por dois motivos: porque o prazer embota e obscurece o juízo; e porque o homem, movido pelo desejo de gozar, não somente cobiça aqueles bens com muita sofreguidão, mas ainda se expõe a agir fora de tempo. Mesmo no caso de serem verdadeiras as virtudes e as obras, bastam os defeitos assinalados para produzir muitos enganos, quer por não serem elas entendidas no seu sentido real, quer por não se realizarem nem trazerem proveito às almas no tempo e modo mais oportuno. É verdade que Deus, distribuidor dessas graças sobrenaturais, as concede juntamente com a luz e o impulso para obrá-las na ocasião e maneira mais conveniente; todavia, o homem ainda pode errar muito, devido à imperfeição e ao espírito de propriedade que nelas tem, não as usando com a perfeição exigida pelo Senhor e conforme a vontade de Deus. A história de Balaão confirma o que dizemos; quando este falso profeta se determinou, contra as ordens de Deus, – a ir maldizer o povo de Israel, o Senhor, indignado, o queria matar (Nm 22,22-23). Também S. Tiago e S. João, levados por um zelo indiscreto, queriam que caísse fogo do céu (Lc 9,54) sobre os samaritanos, pelo fato de recusarem a hospitalidade a nosso Salvador; mas foram logo repreendidos por ele.

3. Daí se vê claramente como estes espíritos de que vamos falando determinam-se a fazer tais obras fora do tempo conveniente, movidos por secreta paixão de imperfeição, envolta em gozo e estima delas. Quando não há semelhante imperfeição, as almas esperam o impulso divino para realizar essas obras, e só as fazem segundo o modo e o momento requerido pelo Senhor; pois, até então, não convém agir. Deus, por isso, queixava-se de certos profetas, por Jeremias, dizendo: “Eu não enviava estes profetas e eles corriam, não lhes falava nada e eles profetizavam” (Jr 23,21). Acrescentando: “Enganaram ao meu povo com a sua mentira e com os seus milagres, não os havendo eu enviado, nem dado ordem alguma” (Jr 23,32). Em outro trecho diz ainda que eles tinham visões apropriadas à tendência do seu espírito e que eram essas precisamente as que divulgavam (Ib. 26). Esses abusos não se dariam se os tais profetas não tivessem misturado o abominável afeto de propriedade a estas obras sobrenaturais.

4. Pelas citações feitas, podemos reconhecer que o dano deste gozo leva o homem a usar de modo iníquo e perverso dessas graças divinas, como Balaão e os que faziam milagres para enganar o povo; e, além disso, induz à temeridade de usar delas sem as haver recebido de Deus. Deste número foram os que profetizavam e publicavam as visões da sua fantasia, ou aquelas que tinham por autor o demônio. Este, com efeito, explora imediatamente a disposição desses homens afeiçoados aos favores extraordinários; fornece-lhes abundante matéria neste vasto campo exercendo as suas malignas influências sobre todas as suas ações; e eles assim enfunam as velas para vogar livremente com desaforada ousadia nestas prodigiosas obras.

5. O mal não pára aí: o gozo e a cobiça desses bens levam essas pessoas a tais excessos que, se antes tinham feito pacto oculto com o demônio (porque muitos fazem coisas extraordinárias por esse meio), chegam ao atrevimento de se entregar então a ele por pacto expresso e manifesto, tornando-se seus discípulos e aliados. Daí saem os feiticeiros, encantadores, mágicos, adivinhos e bruxos. Para cúmulo do mal, esta paixão de gozo nos prodígios extraordinários leva a ponto de se querer comprar a peso de dinheiro as graças e os dons de Deus, a modo de Simão Mago, para fazê-las servir ao demônio. Esses homens procuram ainda apoderar-se das coisas sagradas, e, – não se pode dizê-la sem tremer! – ousam tomar até os divinos mistérios, como já tem sucedido, sacrilegamente usurpando o adorável corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo para uso de suas próprias maldades e abominações. Digne-se Deus mostrar e estender até eles a sua infinita misericórdia.

6. Cada um de nós bem pode compreender quão perniciosas para si mesmas e quão prejudiciais à cristandade são estas pessoas. Observemos de passagem que todos aqueles magos e adivinhos do povo de Israel, aos quais Saul mandou exterminar, caíram em tantas abominações e enganos porque quiseram imitar os verdadeiros profetas de Deus.

7. O cristão, pois, dotado de alguma graça sobrenatural, deve acautelar-se de pôr aí o seu gozo e estimação, não buscando obrar por esse meio; porque Deus que lha concedeu sobrenaturalmente para utilidade da sua Igreja, ou dos seus membros, movê-lo-á também sobrenaturalmente quando e como lhe convier. O Senhor que mandava aos seus discípulos não se preocupassem do que nem como haviam de falar, quando se tratasse de coisa sobrenatural da fé, quer também que nestas obras sobrenaturais o homem espere a moção interior de Deus para agir, pois na virtude do Espírito Santo é que se opera toda virtude. Embora os discípulos houvessem recebido de modo infuso as graças e os dons celestes, conforme se lê nos Atos dos Apóstolos, ainda assim fizeram oração a Deus rogando-lhe que fosse servido de estender sua mão para obrar por meio deles prodígios e curas de doentes, a fim de introduzir nos corações a fé de Nosso Senhor Jesus Cristo (At 4,29-30).

8. O segundo dano que pode provir do primeiro é detrimento a respeito da fé, de duas maneiras. A primeira, quanto ao próximo; como, por exemplo, se uma pessoa se dispõe a fazer milagres ou maravilhas fora de tempo ou sem necessidade, não somente tenta a Deus, o que é grave pecado, como ainda poderá fazer com que o efeito não corresponda à sua expectativa. Os corações, desde logo, serão expostos a cair no descrédito ou no desprezo da fé. Porque embora o milagre se realize, e Deus assim o permita por motivos só dele conhecidos, como fez com a pitonisa de Saul (1Sm 28,12) (se é verdade que foi Samuel que ali apareceu), nem sempre acontecerá assim. E quando acontecer realizar-se o prodígio, não deixam de errar A segunda maneira é que o homem pode sentir em si mesmo detrimento em relação ao mérito da fé. A estima exagerada dos milagres, cujo poder lhe foi dado, desvia-o muito do hábito substancial da fé que por si mesma é hábito obscuro; e assim, onde abundam os prodígios e os fatos sobrenaturais, há menos merecimento em crer. A esse propósito, diz-nos S. Gregório: “A fé é sem mérito quando a razão humana e a experiência lhe servem de provas”. Por este motivo, Deus só opera tais maravilhas quando são absolutamente necessárias para crer. A fim de que os seus discípulos não perdessem o mérito da fé quando tivessem experiência da sua ressurreição, Nosso Senhor, antes de se lhes mostrar, fez várias coisas, para induzi-los a crer sem o verem. A Maria Madalena primeiramente mostrou vazio o sepulcro e depois lhe fez ouvir dos anjos a notícia desse mistério; porque a fé vem pelo ouvido, como diz S. Paulo, e assim esta santa deveria acreditar antes ouvindo do que vendo. Mesmo quando o viu, foi sob o aspecto de um homem comum. Nosso Senhor quis desse modo acabar de instruí-la na fé que lhe faltava por causa de sua presença sensível. Aos seus discípulos, primeiramente, enviou as santas mulheres a dar-lhes a nova da ressurreição, e eles depois foram olhar o sepulcro. Aos dois que iam a Emaús (Lc 24,15) juntou-se no caminho dissimuladamente; e inflamava-lhes os corações na fé, antes de se manifestar aos seus olhos. Enfim, repreendeu a todos os seus apóstolos reunidos, por não acreditarem na palavra dos que lhes tinham anunciado a sua ressurreição; E a São Tomé, porque quis ter experiência tocando nas suas chagas, censurou o Senhor quando lhe disse: “Bem-aventurados os que não viram, e creram” (Jo 20,29).

9. Vemos, portanto, que não é condição de Deus fazer milagres, antes, ele os faz quando não pode agir de outro modo. Foi por isso que censurou aos fariseus: “Vós, se não vedes milagres e prodígios, não credes” (lb. 4,48). As almas cuja afeição se emprega nessas obras sobrenaturais sofrem grande prejuízo quanto à fé.

10. O terceiro dano é cair ordinariamente a alma na vanglória ou em alguma vaidade, quando quer gozar em tais obras extraordinárias. O próprio prazer por essas maravilhas já é vaidade, não sendo proporcionado puramente em Deus e para Deus. Eis por que Nosso Senhor repreendeu seus discípulos quando manifestaram alegria por terem subjugado os demônios (Lc 10,20); jamais lhes dirigiria esta reprimenda, se não fosse vão tal gozo.

CAPÍTULO XXXII

Dos proveitos resultantes da abnegação do gozo nas graças sobrenaturais.

1. A alma, além das vantagens encontradas livrando-o se dos três danos assinalados, adquire, pela privação de gozo nas graças sobrenaturais, dois proveitos muito preciosos. O primeiro é glorificar e exaltar a Deus; o segundo, exaltar-se a si mesmo. Efetivamente, de dois modos é Deus exaltado na alma. Primeiramente, desviando o coração e a afeição da vontade de tudo o que não é Deus, para fixa-los unicamente nele. “Chegar-se-á o homem ao cimo do coração, e Deus será exaltado” (Sl 63,7). O sentido destas palavras de Davi já foi referido no começo do tratado sobre a noite da vontade. Quando o coração paira acima de todas as coisas, a alma se eleva acima de todas elas.

2. Quando a alma concentra todo o seu gozo só em Deus, muito glorifica e engrandece ao Senhor que então lhe manifesta sua excelência e grandeza; porque nesta elevação de gozo, a alma recebe de Deus o testemunho de quem ele é. Isso, porém, não acontece sem a vontade estar vazia e pura quanto às alegrias e às consolações a respeito de todas as coisas, como o Senhor ainda o ensina por Davi: “Cessai, e vede que eu sou Deus” (Sl 45,11). E outra vez diz: “Em terra deserta, e sem caminho, e sem água; nela me apresentei, a ti como no santuário para ver o teu poder e a tua glória” (Sl 42,3). Se é verdade que Deus é glorificado pela completa renúncia à satisfação de todas as coisas, muito mais exaltado será no desprendimento dessas outras coisas mais prodigiosas, quando a alma põe somente nele o seu gozo; porque são graças de maior entidade, sendo sobrenaturais; e deixá-las para estabelecer unicamente em Deus sua alegria será atribuir a ele maior glória e maior excelência do que a elas. Quanto mais nobres e preciosas são as coisas desprezadas por outro objeto, mais se mostra estima e rende-se homenagem a este último.

3. Além disto, no desapego da vontade nas obras sobrenaturais, consiste o segundo modo de exaltar a Deus. Pois, quanto mais Deus é crido e servido sem testemunhos e sinais, tanto mais é exaltado pela alma; porque ela crê de Deus mais do que os sinais e os milagres lhe poderiam dar a entender.

4. O segundo proveito, como dissemos, faz a alma exaltar-se a si mesma. Afastando a vontade de todos os testemunhos e de todos os sinais aparentes, eleva-se em fé muito mais pura, a qual Deus lhe infunde e aumenta com maior intensidade. Ao mesmo tempo, o Senhor faz crescer na alma as duas outras virtudes teologais, a esperança e a caridade. A alma goza, então, de sublimes e divinas notícias, por meio deste hábito obscuro da fé em total desapego. Experimenta grande deleite de amor pela caridade que lhe faz gozar unicamente de Deus vivo; e mediante a esperança permanece satisfeita quanto à memória. Tudo isto constitui admirável proveito, essencial e diretamente necessário à perfeita união da alma com Deus.

(São João da Cruz, Subida do Monte Carmelo, Livro III. cap. XXX – XXXII)

SÃO JOÃO DA CRUZ – DOUTOR DA IGREJA. Apostolado Veritatis Splendor: DOUTRINA SOBRE DONS EXTRAORDINÁRIOSDisponível em http://www.veritatis.com.br/article/5725. Desde 03/06/2009.

Quatorze formas simples para melhorar a Liturgia (II)

Tédio durante a Liturgia é algo que, de tempos em tempos, todo católico sente e isso nunca é justificável

Hoje publicamos a segunda e última parte do artigo sobre a importância da música litúrgica e as formas de melhorá-la em sua comunidade.

7. Conserte o salmo
São João Crisostómo recorda-nos que os cristãos cantavam os salmos incessantemente e que esta foi das primeiras partes da Sagrada Escritura a ser traduzida para o latim. Sua centralidade no culto cristão não pode passar despercebida. O desenvolvimento do canto do Saltério é central no desenvolvimento de toda e qualquer música cristã e da música em si mesma. O que aconteceu com o canto do Salmo hoje? Muitas versões de salmos publicadas hoje soam como pequenas miniaturas de baladas de jazz e estas mesmas versões são impressas em livros de missa para o uso dos fiéis que passam a acreditar que elas são versões oficiais da Igreja (o que elas não são).
A meta seria a restauração do Saltério em latim (usando o Graduale ou o Simplex), mas isso simplesmente não é viável na imensa maioria das paróquias hoje, nem existe uma versão solene ou mais elaborada para o português das formas latinas gregorianas a disposição. O que é possível é que o Salmo poderá ser cantado em uma forma melódica drasticamente reduzida do gregoriano, sem intervalos ou saltos. Uma linha simples consistindo em apenas algumas notas é uma forma apropriada de transição para o uso de tons prontos para os salmos ou mesmo algo mais elaborado. A primeira vista o abandono das linhas impressas da música pode parecer algo intimidante, às vezes beirando o assustador. O melhor método para fazê-lo é sentir a necessidade de solenidade e deixar o ouvido guiar você.
O Salmo deve começar não com um instrumento, mas com uma voz confiante. A introdução deve ser fácil o suficiente para ser repetida pelo povo. Os versos, em si, não devem ser cantados pelo coral todo (o que deixaria o som estranho), mas, de novo, por uma única voz que deve sempre ter em mente que aquilo antes de uma música é um texto cantado. Isso significa que o cantor deve pronunciar claramente as palavras e modular a voz de uma forma a usar, também, espaços.

8. O Ofertório deve ser um tempo de preparação
Durante o Ofertório, o Pão e o Vinho são trazidos ao Altar para preparar-nos para a Oração Eucarística e a Consagração. A música, portanto, não deveria obscurecer o que se seguirá, mas, antes apontar para o sacrifício vindouro e preparar-nos mental e espiritualmente para tal.
Algo silencioso e belo (de novo, empregando a voz humana) é a melhor solução. Faça com que a congregação cante um hino simples, começando com acompanhamento, se necessário, mas deixando um ou dois versos finais sendo cantados a capella. O órgão ou teclado pode ser uma forma de incentivar as pessoas a cantar, mas com o correr do tempo, a congregação irá tornar-se mais confiante se permitida experimentar a beleza e o Mistério de suas próprias vozes juntando-se em preparação para a festa.
O Ofertório é também um tempo apropriado para familiarizar as pessoas com os grandes hinos de nossa fé em sua forma latina. Durante o ano, a meta pode ser cantar apenas uma pequena parcela deles como: Ave Maria, Jesu Dulcis, Ave Maris Stella, Ubi Caritas, Attende Domine, Ave Verum, e cantos próprios do Tempo como o Veni Creator e o Regina Caeli. Com repetições suficientes eles podem ser aprendidos por qualquer um. Eles, realimente, devem tornar-se partes da vida de fé novamente.

9. Reduza e simplifique o “Mistério da Fé” e o “Grande Amém”
Normalmente, quando usados na forma cantada, estas duas partes são aquelas musicadas pelas grandes editoras. Elas costumam ter uma orquestração Hollywoodiana, serem exagerados e aparecerem repentinamente, sem nenhum aviso. Dissonante na melhor das hipóteses, o seu drama, destilado em cinco segundos, pode competir com o mistério da própria Consagração. Cantos simples, realizados pela Congregação de uma maneira que ele estenda-se da própria oração silenciosa são mais apropriados para estes momentos.
O “Mistério da Fé” nunca esteve separado da Consagração na Forma Extraordinária, então, não há um precedente que poderá ajudar-nos a iluminar nossos caminhos. O que pode ser feito, porém, é reduzir o “Mistério da Fé” a uma simples frase não repetida e sem acompanhamento. Da mesma forma o “Amém”, ele não precisa ser grande e pomposo, duas notas bastam.

10. Encurte a Saudação da paz
Sejamos honestos: esta parte na Liturgia, antigamente extremamente formal e reservada apenas aos diáconos e subdiáconos, pode ser bastante desconcertante atualmente. Os minutos depois da Consagração simplesmente não parecem ser os mais adequados para saudar os amigos com um cordial “Olá” ou um beijo. O coral ou banda deve fazer algo em relação a isso. Não deixem a Saudação da Paz continuar indefinidamente, comece, com alguma rapidez, o canto do “Cordeiro de Deus”. Tenha certeza, muitas pessoas ficaram extremamente gratas[i]!

11. Comece o canto de Comunhão (um simples hino em latim já funciona) logo após o sacerdote comungar
O que fazer enquanto estamos esperando para levantar-se e ir comungar? Nas paróquias não há outra escolha: assistir o sacerdote celebrante dar Comunhão a uma espécie de elite leiga que foi selecionado como “Ministros da Eucaristia”. Devemos ter em conta que isso não é uma visão das mais prazerosas, então, seria bom introduzir logo uma música como forma de retirar a atenção do povo do Altar e, da mesma forma, já levá-lo a oração interior que o momento demanda. A Instrução Geral do Missal Romano recomenda que o canto de Comunhão comece assim que o padre comungar, logo, assim deve ser. E apenas pela banda ou pelo coro.

12. Não force a Assembléia a cantar no momento da Comunhão
Várias tentativas foram feitas ao longo dos anos para fazer com que as pessoas cantassem na fila da Comunhão ou já comungando. Mas, normalmente, elas foram falhas. É um fato simples que as pessoas não querem cantar durante a Comunhão. Este parece ser o maior exemplo de como a “participação ativa” significa qualquer outra coisa que cantar uma música durante a Missa e que, infelizmente, vemos como sendo entendido atualmente. Neste caso, especificamente, significa receber o Santíssimo Corpo do Senhor. Esta é a hora perfeita para o coro ou a banda desenvolver o senso do canto de uma forma sagrada, quieta e de forma bela. De novo, canto e polifonia são os melhores, mas não subestime a idéia de uma peça para órgão apenas, sem as vozes. Este momento deve ser de oração e contemplação, não de barulho! A maioria das pessoas irá ficar satisfeita e feliz de serem deixadas sozinhas.

13. Permita o silêncio depois da Comunhão
Um dos aspectos estéticos mais marcantes do Rito Romano é quão rápida e repentinamente ele termina! Apenas se passaram uns poucos minutos entre a o Momento da Comunhão e a despedida. Este é um tempo excelente para o silêncio: sem músicas, anúncios, benção de crianças… Apenas oração!

14. Não tente um adeus estimulante
A Missa termina com as palavras “Ide em paz, que o Senhor vos acompanhe”, logo, nada do que vem a seguir disso deve obscurecer o que veio antes. O canto final, que não é obrigatório, pode, claro, ser exuberante. Porém, muitas paróquias têm problemas em lidar com o excesso de conversas ao fim da Missa, pois muitas pessoas vão saudar-se e conversar um pouco logo após o término da Celebração, logo, o Canto Final acaba apenas agravando o problema fazendo com que os cantores tenham que cantar cada vez mais alto enquanto as pessoas elevam a voz para poderem conversar e se ouvirem mutuamente. Se a meta do Canto Final for enviar as pessoas para o mundo com a sensação vivida de tudo aquilo que aconteceu anteriormente, o melhor seria que este canto recordasse à calma e silenciosa potência da Liturgia anterior.

Sugestões mais elaboradas

Existem outros métodos para aumentar o senso de solenidade da Liturgia, o que, no geral, significa criar imagens e sons que lembrem que as pessoas estão em uma igreja. Os tapetes podem ser deixados de lado para eliminar os problemas relacionados à propagação do som dos microfones. A polifonia tradicional é uma forma riquíssima de adicionar certa “textura” a uma Liturgia dominada apenas pelos cantos e hinos. Começar um coral de crianças é um investimento boníssimo para as gerações futuras de cantores e pode, com alguma certeza, dispersar a idéia de que o latim é anacrônico ou impossível de ser cantado. Cartazes colados nas paredes podem ser retirados e substituídos por arte de boa qualidade e imagens da iconografia cristã.
Todas essas alterações ajudam a solidificar a Liturgia na vasta gama das experiências cristãs, além de transmitir a idéia e a sensação de que o simples individuo é parte de algo muito maior que uma simples comunidade ou paróquia!
A Liturgia Católica, por sua natureza e estrutura, não pode tornar-se uma imitação de formas populares (ou popularescas) de entretenimento, da mesma forma que um show de rock não é um bom meio de induzir as pessoas a um senso penitencial e de presença do sagrado. A incessante tentativa disto por diversas vezes pode ter o efeito, não intencional, de fazer com que a própria assembléia se sinta, de certa forma, manipulada. Da mesma forma, e ainda mais importante, o clamor para mais e mais inovações litúrgicas e a criatividade sem limites é totalmente desnecessário.
A Instrução Geral do Missal Romano é um guia poderoso para se conseguir solenidade na Missa, além do que, temos 2000 anos de tradição histórica (que são mais que suficiente) para lembrar-nos que isso é uma verdade. Maiores provas para tal hipótese virão quando a Liturgia começar a dar-nos pequenos sinais e lembrar-nos por que estamos lá.

Lembretes para os músicos tirados da Instrução Geral do Missal Romano

Propósito
O Apóstolo exorta os fiéis, que se reúnem à espera da vinda do Senhor, a que unam as suas vozes para cantar salmos, hinos e cânticos espirituais (cf. Col 3, 16). O canto é sinal de alegria do coração (cf. Atos 2, 46). Bem dizia Santo Agostinho: “Cantar é próprio de quem ama”. E vem já de tempos antigos o provérbio: “Quem bem canta, duas vezes reza”. (n. 39)

Objetivo
[Todos os elementos da Missa] deva exprimir a estrutura hierárquica e a diversidade dos ministérios, deve também formar uma unidade íntima e orgânica que manifeste de modo mais claro a unidade de todo o povo santo. Por outro lado, a natureza e a beleza do lugar sagrado, bem como de todas as alfaias do culto, devem ser de tal modo que fomentem a piedade e exprimam a santidade dos mistérios que se celebram. (n. 294)
Estilo
Em igualdade de circunstâncias, dê-se a primazia ao canto gregoriano, como canto próprio da Liturgia romana. De modo nenhum se devem excluir outros gêneros de música sacra, principalmente a polifonia, desde correspondam ao espírito da ação litúrgica e favoreçam a participação de todos os fiéis. (n. 41)

Assembléia
Dado que hoje é cada vez mais freqüente o encontro de fiéis de diferentes nacionalidades, convêm que eles saibam cantar em latim pelo menos algumas partes do Ordinário da Missa, sobretudo o símbolo da fé e a oração dominical, nas suas melodias mais fáceis. (n. 41)

Coro/Cantores
Entre os fiéis exerce um próprio ofício litúrgico a schola cantorum ou grupo coral, a quem compete executar devidamente, segundo os diversos gêneros de cânticos, as partes musicais que lhe estão reservadas e animar a participação ativa dos fiéis no canto. O que se diz da schola cantorum aplica-se também, nas devidas proporções, aos restantes músicos e de modo particular ao organista.
É conveniente que haja um cantor ou mestre de coro encarregado de dirigir e sustentar o canto do povo. Na falta da schola, compete-lhe dirigir os diversos cânticos, fazendo o povo participar na parte que lhe corresponde (n. 103-104).

Partes da Missa
O canto de entrada é realizado alternadamente pelo coro e a Assembléia, ou, da mesma forma, pelo cantor e pelo povo, ou inteiramente pelas pessoas, ou pelo coro sozinho. Já que o Kyrie é um canto pela qual os fiéis clamam ao Senhor e imploram sua misericórdia ele é, normalmente, cantado por todos, ou seja, pelas pessoas e com o coro ou cantor tomando parte nele. O Glória é entoado pelo sacerdote ou, se necessário, pelo cantor ou pelo coro, mas ele é cantado por todos juntos, ou pelo povo alternando com o coro ou pelo povo sozinho. É preferível que, ao menos, a resposta do Salmo responsorial seja cantado pelo povo (o resto pode ser por um cantor). O Aleluia constitui um rito ou ato nele mesmo. Ele é cantado por todos em pé, dirigidos pelo coro ou cantor. A súplica do Agnus Dei é, via de regra, cantado pelo coro ou cantor com a congregação respondendo. Enquanto o padre está recebendo o Sacramento, o canto de Comunhão iniciar-se-á. O canto continua enquanto o Sacramento é administrado aos fiéis. Ele é cantado seja pelo coro sozinho ou pelo coro ou cantor com o povo (vários).

Os autores
Arlene Oost-Zinner e Jeffrey Tucker são diretores da Schola Cantorum Santa Cecilia em Auburn, Alabama.

TUCKER, Jeffrey e ZINNER, Arlene, “QUATORZE PASSOS PARA SIMPLES PARA MELHORAR A LITURGIA (II)” tradução realizada com permissão dos autores por Movimento Litúrgico. Disponível em http://www.movimentoliturgico.com.br/Portal/index.php?option=com_content&view=article&id=107:quatorze-formas-simples-para-melhorar-a-liturgia-ii&catid=59:cat-artigos-musicas&Itemid=56. Desde 25/04/2009.

Doce Hóspede da Alma – Santifica-nos!

Por Ana Maria Bueno Cunha

“Caríssimos, como são maravilhosos, como são preciosos os dons de Deus! Vida imortal, esplêndida justiça, verdade liberta, fé intrépida, temperança santa: tudo isto nossa inteligência concebe. O que será então que se prepara para aqueles que O aguardam? O Santíssimo Artífice e Pai dos séculos é o único a conhecer a sua santidade e beleza. Portanto, a fim de participarmos dos dons prometidos, empreguemos todo empenho em sermos contados no número dos que esperam” (São Clemente I – Papa e Mártir da Igreja – séc. I – AQUINO, Felipe – Alimento Sólido – Editora Canção Nova – Cachoeira Paulista – SP – p. 23). “Sede perfeitos como o Vosso Pai é perfeito” (Mt 5,48) “Conta-se que um cônego de Limoges, o Abade Guimabaud, falecido em 1944, tomara parte numa peregrinação a Roma quando ainda jovem sacerdote, tendo sido apresentado ao Papa Leão XIII pelo Vigário Geral, da forma seguinte: “Santitíssimo Padre, aqui está um sacerdote que leu todas as suas Encíclicas” – Qual prefere? Perguntou o Papa ao Abade – “A que trata do Espírito Santo” – Ah! – continuou Leão XIII – o Espírito Santo… O divino desconhecido!…” (PLUS, Raul – Em União com o Espírito Santo – Quadrante – Introdução). Graças a Deus pode-se dizer que hoje o Espírito Santo não é mais o divino desconhecido, mas infelizmente podemos dizer que muitos de nós desconhecemos toda riqueza de suas ações nas almas, que consiste em educá-las para a santidade. Saibamos bem que Deus nosso Pai, reservou para Si a santificação das almas que Ele tanto ama, já que as criou para Ele. E o faz de uma forma ordenada, silenciosa e eficaz, para levar a termo Seu desejo de elevar o homem à condição a que foi criado primeiramente, com toda riqueza de dons e dotes sobrenaturais. Deus quer que sejamos perfeitos, assim como Ele é perfeito, nada mais que isso. Deus é quem faz os santos. A santificação é obra do amor e este amor é o próprio Deus que nos convida e age em nós para nos convertermos e nos santificarmos, portanto a alma resoluta que busca na docilidade deixar-se conduzir pelo Espírito, terá como recompensa o encontro com Deus. Deus quis que o homem fizesse parte de Sua família, tornando-o um filho com direito à Sua herança. E para que isso não fosse apenas uma formalidade, deu-nos a participação de Sua vida divina, com uma qualidade criada e real, que nos faz participar já aqui na terra das luzes da fé, para um dia possui-Lo no céu pela visão beatífica de Si mesmo, amando-O como Ele é. Para tanto, no dia do nosso Batismo, firmou-se entre Deus e nós um verdadeiro contrato. Neste Sacramento da Igreja, pelas suas águas regeneradoras e pelo Seu poder, efetivamente a Santíssima Trindade se derramou sobre nós: “O amor do Pai e do Filho foi derramado em nossos corações pelo Espírito que nos foi dado.” (Rm 5,5). Esse Amor é um amor substancial, imutável e eterno. No Batismo recebemos os frutos da redenção operada por Cristo na Cruz. Ali somos purificados da mácula original, da falta da graça e dos bens perdidos por Adão, nosso pai terrestre, além de recebermos nossa adoação filial. E tudo isso acontece pela ação da pessoa do Espírito Santo. Aquele que o Santo Padre chamou de divino desconhecido, e tanto quanto Jesus, tem seu calvário na medida em que não é conhecido, amado e sobretudo querido pelos homens, que Deus escolheu para serem seus filhos adotivos. Por Ele nos tornamos livres e por Ele decidimos por Deus. Ele nos vivifica, por isso é o autor da vida nova que o Senhor nos oferece. Jesus disse: “Eis que faço novas todas as coisas”. Queridos, pelo Espírito fazemos parte desta maravilha de Deus. Sua obra magnífica consiste em nos fazer amar a Deus, nos liberta do amor do mundo e nos leva a nos conformarmos com Sua santa vontade. É a Ele que devemos buscar para podermos cumprir nosso fim, vivendo na luta contra o pecado, perseverando até o dia final. Logicamente é a Santíssima Trindade que buscamos para sermos santos, mas esta obra é dada ao Divino Espírito por atribuição, já que nas obras do amor, Ele se faz presente e atua eficazmente. Mas é Deus todo, que opera em nós o Seu querer e executar. O Espírito Santo, portanto, é o educador de nossas almas, de incomparável sabedoria e amor. Mestre na arte de conduzi-las e plasma-las de acordo com Sua vontade, Ele faz o que quer e quando quer, pois é o educador gratuito e liberal, e age porque é bom, não dependendo do mérito de ninguém. Só pede que esta alma se deixe conduzir por Ele, em função de sua natureza e segundo suas disposições, para levá-la ao acabamento total na graça e à qualidade de adultos na fé. Ele é o princípio da santidade e nos faz voltar para Deus e quer nos unir a Ele de forma habitual e permanente. Ele nos purifica e nos dá firmeza, fazendo com que desejemos sempre mais a ascenção ininterrupta para Deus, para fazer de nós, imagens perfeitas de nosso Pai. Saibamos bem que é apenas no Espírito Santo que devemos esperar a santidade, que não nos será negada se a buscarmos diligentemente a cada dia, lutando tenazmente contra o pecado que nos afasta de Deus, pois nos diz as Escrituras que a alma que põe a confiança no Senhor, nunca será confundida (cf. Sl 30,2). Como disse, Deus é quem faz os santos, portanto é Ele quem conduz ao que Ele mesmo nos propõe. É preciso que cada um conheça quando e de que maneira Ele age, para com o coração disponível viver esta vida de forma a subir sempre à presença do Senhor. Nossa vida é uma caminhada para o alto, e Deus mais do que ninguém quer nos ajudar nesta subida. Nosso fim consiste em vê-Lo, viver nEle e para Ele, mas podemos experimentar já aqui esta vida de filhos, com toda a fecundidade que ela nos oferece. Já digo de antemão que não depende dos sentimentos, mas do se deixar conduzir pelo Espírito Santo que nos foi dado. Saber, pela razão, de que maneira Ele nos conduz, para aceitarmos agradecidos Seu amor e Sua transformação. Ora, se o Espírito nos foi dado, nos pertence, e se nos pertence pode fazer com que nos tornemos santos, porque Ele é santo! Nossa limitação nunca alcançará esta misericórdia inefável e infinita! Quanta vantagem tivemos quando o Senhor disse que era preciso que Ele fosse. Ficaríamos sem Ele, é certo, mas receberíamos o grande presente que nos seria concedido. O Espírito Santo é nosso amigo, nosso Consolador e nossa força nas provações da vida presente e quer levar a cabo na vida de cada um de nós esta transformação maravilhosa que a cada dia nos transforma tal qual Ele é, e para qual fomos criados. Mas quantos tem desperdiçado por desconhecimento esta graça bendita? Quantos tem se cansado na caminhada buscando se santificar com suas próprias forças, que são nada diante da força de Deus, desprezando Aquele que realmente santifica? Quantos tem sentido sua vida vazia, crendo que tem desagradado a Deus, crendo que tem perdido tempo em orações infrutuosas, se sentindo como que inúteis diante de todo bem que sabem que Deus os convida a viver? Assim já dizia Pierre Charles: “Senhor, por que, para subir até Vós, não temos a mesma coragem com que galgamos montanhas? Por que havemos de temer a escalada do Vosso Sinai, para ir falar-Vos e contemplar-Vos face a face? Quando penso na imensidade do esforço sinto-me esmagado. Como farei para atingir o inacessível? Ah… Depois que descestes até à humanidade, há um caminho aberto para subir até Vós” (Generosidades – Quadrante – São Paulo – 1991 – pag. 52) Mas como de fato o Espírito Santo age em nós? Segundo Tanquerey, “ao comunicar-nos uma participação da Sua vida, nos deu o Senhor todas as graças necessárias para a conservar e acrescentar. Ele por amor, ainda nos deu nessa Sua participação, a graça santificante onde somos modificados por Ele, de uma forma acidental, na nossa natureza e capacidade de ação, não nos torna Deus, mas deiformes, semelhantes a Ele, capaz de atingi-Lo pela visão beatífica, quando esta graça for transformada em glória e de O ver face a face, como Ele se vê a Si mesmo. Participamos da natureza de Deus, Ele vem a nós com sua graça maravilhosa! Jesus não contente em reparar, pela Sua satisfação, a ofensa feita a Deus e de nos reconciliar com Ele, mereceu-nos todas as graças que havíamos perdido pelo pecado e outras ainda. A Graça Santificante, que por si já diviniza e nos aperfeiçoa, vem com seu cortejo de virtudes infusas e dons do Espírito Santo, que colaboram mais ainda com este novo homem, o que se move e cresce com a ajuda de graças atuais. Atuais e abundantes e que podemos crer até mais abundantes do que no estado se inocência, em virtude da palavra de São Paulo: ”ubi abundavit delictum, superabundavit gratia” – onde abundou o pecado, superabundou a graça – para que produza atos sobrenaturais, deiformes e meritórios de vida eterna, já que este, como dissemos, é o fim a que o homem foi criado e elevado como filho de Deus.” (A Vida Espiritual – Explicada e Comentada – de Adolfh Tanquerey – Editora Permanência – Quinta Edição – Anápolis – 2007). Entendamos pois, que o homem em estado de graça, todos os seus atos, são realizados com ajuda de Deus. É Ele que opera em nós e por nós. Por isso, qualquer ação que fazemos tem méritos de vida eterna. São Paulo, na carta aos Colossenses, no cap. 3, vers. 17, nos diz que “tudo quanto fizermos, por palavras ou por obras, que façamos em Nome de Jesus Cristo dando por Ele, graças a Deus Pai.” Nossa caridade, nosso amor, nossos atos, nenhum deles são desperdiçados, pois o fazemos em Deus e para Deus. Ao abrirmos nossos olhos, saibamos que a menor de nossas ações devem ser oferecidas a Deus e devemos pedir que tudo naquele dia seja feito com Sua ajuda santíssima. Assim, nosso coração se torna um coração descansado, já que nos unimos a Deus que tudo realiza. Santa Tereza disse uma vez, que se tivermos o desejo de fazer algo para Deus, Ele nos ajudará a fazê-lo. O Senhor se compraz nisso. Nossa vida há de ser uma eterna oração se feita nesta união, por isso, temos paz em Deus. É certo que, mesmo depois de nosso Batismo, estamos ainda de posse da concupiscência e das misérias da vida, mas temos agora a força necessária para combater e vencer as tentações, ficamos robustecidos nas virtudes e podendo, portanto, alcançar muitos merecimentos. O Senhor põe diante de nossos olhos os exemplos de Jesus com Sua Cruz e estimula-nos a lutar. Já as graças atuais, que Ele nos mereceu, facilitam nossos esforços e vitórias. A medida que lutamos as concupiscências vão diminuindo, a nossa força de resistência vai aumentando e por fim chega a hora que muitas almas privilegiadas, são de tal modo confirmadas nas virtudes que, embora tenham liberdade para pecar, não cometem falta alguma de propósito deliberado. Ah! Maravilhosa graça que nos enche de dons e virtudes, que nos permitirão levar a cabo atos sobrenaturais, para atingir a santidade que nos pede o Senhor! Deus nos faz a cada dia chegarmos mais perto de Sua beleza e pureza. As virtudes infusas nos capacitam a agir de maneira sobrenatural, de julgar as coisas à luz da revelação divina e agir de acordo com o que a fé nos mostra. Dispõe a nossa inteligência e a nossa vontade para a união com Deus, mas não nos confere por si mesmas a facilidade de pensar e agir segundo as luzes da fé. Por isso é necessário que elas sejam reforçadas por hábitos moralmente bons, que se adquirem por atos correspondentes, realizados com intensidade e de maneira repetida. A ajuda das graças atuais que o Senhor não nega às almas que as pedem com o coração desejoso de amá-Lo e de servi-Lo, entra em ação, nos capacitando a chegarmos ao termo final. E para receber estas graças atuais, são imprescindíveis os dons do Espírito Santo, que são disposições ou hábitos sobrenaturais que faz com que a alma elevada já à vida sobrenatuaral pela graça santificante, se torne capaz de receber estas inspirações divinas. Os dons portanto, intervêm necessariamente em todo ato sobrenatural. O Espírito que agora habita em nós, nos ajuda primeiramente a rejeitarmos de todas as formas o pecado, depois ilumina nossa mente para querermos e buscarmos as coisas do alto (“a sua unção ensinar-vos-á tudo – 1 Jo 2,27). Nos ajuda a obedecermos os mandamentos e põe em nós o desejo da vida eterna, fazendo-nos assemelhar a Cristo. Aos Efésios Ele disse pela boca de São Paulo: “Fostes assinalados com o Espírito da promessa, que é o penhor da nossa herança” (1,14). Ele é, com efeito, a garantia da vida eterna. A alma cheia de Deus, conduzida pelo divino Espírito, eficazmente, pensa, julga e age em todas as circunstâncias como fariam Cristo nosso Senhor ou Sua Santíssima Mãe, e aquela que assim se conduz, já se conduz santamente. Ela age como por instinto e com toda naturalidade, preocupada unicamente em amar a Deus, que é a caridade perfeita. Diz o Catecismo n. 2005: “Sendo, como é, de ordem sobrenatural, a graça escapa nossa experiência e só pode ser conhecida pela fé. Não podemos, pois, basear-nos nos nossos sentimentos nem nas nossas obras, para daí concluirmos que estamos justificados e salvos. No entanto, segundo a palavra do Senhor, que diz: “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7, 20), a consideração dos benefícios de Deus na nossa vida e na vida dos santos oferece-nos uma garantia de que a graça de Deus opera em nós e nos incita a uma fé cada vez maior e a uma atitude de pobreza confiante” Encontramos uma das mais belas ilustrações desta atitude na resposta de Santa Joana d’Arc a uma pergunta capciosa dos seus juízes eclesiásticos: “Interrogada sobre se sabe se está na graça de Deus, responde: “Se não estou, Deus nela me ponha: se estou, Deus nela me guarde”.” (Santa Joana D’Arc: Dito: Procès de condannation, ed. P. Tisset (Paris, 1969) p. 62.) Tanquerey nos diz que não é qualquer impulso interior vago e difuso para agir de determinada forma que provém do Espírito Santo. É preciso antes que este seja nitidamente para realizar um ato bom, que a nossa consciência bem formada e informada aprove como estando perfeitamente de acordo com a lei de Deus naquelas circunstâncias concretas. Para discernir se a moções provêm dos dons, devemos aplicar o que nos ensinou o Senhor: “Pelos frutos os conhecereis” (Mt 7,20). São necessárias, via de regra, anos de oração regular e de exames de consciência para atingir um certo grau de conhecimento próprio e o que seria muito salutar é se encontrássemos um bom diretor espiritual. (A Vida Espiritual – Explicada e Comentada – de Adolfh Tanquerey – Editora Permanência – Quinta Edição – Anápolis – 2007) É evidente que, se Deus operou tantas maravilhas para nos comunicar uma participação da Sua vida, devemos, da nossa parte, corresponder às suas amorosas antecipações, aceitar com reconhecimento essa vida, cultivá-la e preparar-nos assim para essa bem-aventurança eterna que coroa nossos esforços na terra. É indubitável que Deus, que nos criou livres, respeita a nossa liberdade, e não nos santificará contra a nossa vontade; mas não cessa de nos exortar a que nos aproveitemos das graças que nos outorga tão liberalmente ”diuvantes autem exhortamur ne in vacuum gratiam Dei recipiatis – Exortamo-vos a que não recebais a graça de Deus em vão” A vida que o Senhor nos dá é maravilhosa e conhecê-la nos faz querê-la, desejá-la, não importando quanto esforço temos que empreender. Nossa alma sedenta suspira pela fonte das águas e se refresca nesta fonte. Podemos já viver aqui o céu de forma antecipada, se de fato nos unirmos a Deus em oração, nos Sacramentos da Igreja, na participação da Santa Missa, nos nossos menores trabalhos e até na solidão. Seremos como nos pediu o Senhor, luz e sal neste mundo e através de nossa conduta santa, o mundo poderá ver a presença de Deus e poderão reconhecê-Lo para prestar-Lhe também o louvor que Ele merece. Aliás, o mundo espera a manifestação dos filhos de Deus. O mundo espera nossas orações, nossos atos e nossas palavras, e será através de nós que poderão chegar à verdade que salva a todos – isto só é possível pela ação do Espírito Santo em nós. Quando uma alma se enamora de Deus tem sempre o desejo de estar cheia de Suas graças, as buscando diligentemente nos Sacramentos da Penitencia e Eucaristia, e esta alma descansada rejubila-se e poderá cantar quando chegar a hora derradeira: “Que alegria quando me vieram dizer – Vamos subir à casa do Senhor” Ali haverá festa e nós seremos os felizes convidados do Banquete do Cordeiro. Coragem, só temos uma vida pra viver de fé (Santa Terezinha) e ela valerá a pena quando O vermos tal qual Ele é. (Sl 122)

Coloquemos nisso nossa esperança, e ela não engana!

© Copyright Sociedade Católica __________ Para citar: CUNHA, Ana Maria Bueno – Apostolado Sociedade Católica: Doce Hóspede da Alma – Santifica-nos!. Disponível em http://www.sociedadecatolica.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=479 desde 21/04/2009

QUATORZE PASSOS SIMPLES PARA MELHORAR A LITURGIA (I)

“Tédio durante a Liturgia é algo que, de tempos em tempos, todo católico sente e isso nunca é justificável”

Movimento Litúrgico.com.br 

Começamos a publicar hoje um artigo sobre a música litúrgica já antigo, americano, porém, absolutamente adaptável a realidade brasileira. São quatorze formas de se melhorar a liturgia da Santa Missa, seguida depois por uma seqüência de outras pequenas dicas e algumas informações retiradas da Instrução Geral do Missal Romano. Começaremos publicando os seis primeiros passos, os outros e a conclusão serão publicados na semana que vem!

Acompanhem e comentem!  (nota do sítio)

 

Não importa quão mundana é a arquitetura do templo, quão apagada a homilia ou quão ruim a música, o que está acontecendo no altar é um sacrifício maravilhoso que nos concede a Graça para nossa salvação. Esta realidade deve ser suficiente para prender nossa atenção.

Ainda assim, o tédio entre os fiéis é uma realidade e que a boa liturgia pode ajudar a combater. Muitas paróquias tentam fazê-lo inventando várias novas formas de incitações a “participação”: cartazes enormes e brilhantes, tentativas forçadas de criar um ambiente otimista de amizade e comunidade, grandes bacias de incenso carregadas por ministros e homilias em formas estranhas.

As tentativas de melhorar a Liturgia, normalmente, acabam por recair sobre a música e, quase sempre, na inclusão de mais e mais instrumentos além de ritmos retirados diretamente da música popular. O fundamento para isso é simples. Os liturgistas frustram-se porque as pessoas não se entusiasmam com a religião como se entusiasmam com as cantoras “pop” e os “clips”, e eles concluem que necessitam, então, mais pirotecnia musical para fazer a diferença.

Mas, estas idéias normalmente saem pela culatra porque os argumentos que as sustentam são defeituosos desde o princípio. O sentimento de comunidade é bom e desejável, mas se a liturgia não oferece um conjunto de elementos que conduzirá a oração e a contemplação dos Mistérios Eternos, ela falhou no seu primeiro objetivo estético.

De qualquer maneira, católicos não podem competir com a comunidade evangélica local no sentido de inspirar um “sentimento de comunidade”. A última pesquisa Gallup aponta que a participação dos católicos semanalmente nas Missas (cerca de 45% dos católicos o fazem) continua a cair, e pela primeira vez escorregou para trás dos protestantes (que está em 48%). Aqueles que deixaram o Rito Romano atual incluem os que se afastaram para as formas antigas de Liturgia ou os Ritos Orientais e aqueles que, literalmente, deixaram de participar.

Existem muitas razões para isso (demográficas, culturais e teológicas) e os liturgistas não merecem toda a culpa. Ainda que o declínio do desejo de se assistir a Missa coincida com a diminuição da solenidade celebrativa e o avanço de formas de arte mundanas na liturgia sendo a popularização de música o ponto mais óbvio. As pessoas podem dizer que adoram dar as mãos, dançar ou bater os pés ao ritmo da música na Missa, mas isso parece não ser exatamente correto e, possivelmente, mina a lógica e a razão de uma devoção mais estável. De fato, entre os anos de 1981 e 1989 o Centro de Estudos Católicos Notre Dame de Vida Paroquial concluiu que as tentativas de fazer as pessoas cantarem – especialmente aquelas tentativas que usavam guitarras – aumentavam o tédio.

Existem, porém, formas para quebrar a rotina e inspirar firmeza e comprometimento pessoal com a Liturgia. O que segue são quatorze passos simples para reparar a debilidade que marca muitas liturgias católicas dos Estados Unidos. Os liturgistas profissionais são resistentes a elas devido ao preconceito de tudo que lembraria uma sensibilidade pré Concílio Vaticano II. Ainda assim, as sugestões seguintes nasceram da experiência e da convicção que o alvo primário da liturgia é a ajudar a uma reflexão interior.

As sugestões abaixo são simples e sem custos. Elas não precisam ser postas em prática todas de uma vez. Pequenas mudanças, semana a semana, farão uma diferença gigantesca ao longo do tempo.

 

1.                  Abaixe o Volume

Hoje em dia é difícil de imaginar, mas, a Liturgia cristã passou um período de 1950 anos sem microfones, teclados, amplificadores, mixers, técnicos de som e auto-falantes em formato surround-sound. Naqueles dias, os manuais comuns de liturgia enfatizavam a “proclamação” e a difusão da voz. Cantores usavam microfones apenas se fossem artistas.

Além de usados apenas para ajudarem na audição da Assembléia, infelizmente, é comum ver que as metas desses aparelhos e atitudes é fazer a Liturgia ainda mais barulhenta. Os resultados são, freqüentemente, ensurdecedores criando uma espécie de estupor nos fiéis. As pessoas sentem como se algo estivesse sendo imposto a eles. Muito dessa idéia vem em reação a tradicional sotto voce – a voz que poderíamos chamar de privada – que os modernos liturgistas consideram como silêncio ou sussurro, pois o povo não conseguia ouvir o que aquele que dizia, especialmente o sacerdote, estava dizendo. Ironicamente, os mestres mundiais da propaganda perceberam que a voz baixa aumenta a atenção daquele que ouve.

A virtude do silêncio foi redescoberta nos últimos anos, com numerosos pronunciamentos do papa João Paulo II e oficiais do Vaticano enaltecendo sua habilidade de transmitir sentido em um mundo barulhento. A contraparte musical ao silêncio não é a música popularesca, mas sons distantes de contemplação. Abaixe os microfones e cante como se apenas a voz humana fosse responsável para preencher todo o ambiente. Isto diminuirá a presença eletrônica na liturgia e aumentará a presença de Deus, criando uma ferramenta para melhor O adorarmos.

 

2.                  Cantos como introdução

Se você já foi a um culto evangélico, você sabe que os dez minutos anteriores ao serviço são dedicados a integração social. Para os católicos, ao contrário, é um tempo de oração e preparação. Música de órgão é comum durante este tempo (NT: no Brasil costuma-se ensaiar os cantos que serão usados na Missa), mas imagine algo diferente: um canto simples em latim, cantado calmamente, sem afetação, com silêncio entre os versos. Os sons simples inspiram meditação. Uma objeção comum é que o povo não entende latim. No fundo, isso não importa porque o momento não é de ensino ou pedagogia, ao contrário, é tempo de reflexão, de começar a ouvir a voz dos anjos que nos fala por uma língua diferente. O sentido do texto cantado é comunicado pela seqüência das notas. Os sons sagrados nos lembrarão que entrar em uma igreja é entrar em um lugar sagrado.

 

3.                  Diminua o número de avisos

Em uma era onde o mundo toma a maior parte de nosso tempo, fazer alguns avisos tornou-se uma necessidade pastoral. A Missa Dominical normalmente é a única oportunidade em que o sacerdote tem para informar seu rebanho assuntos relacionados à paróquia e a vida da comunidade. Poucos são afortunados o suficiente em irem a Missa diariamente, um número menor ainda tem seus filhos em boas escolas católicas e já se foram os dias em que a paróquia ou igreja era o centro da vida no bairro ou na pequena cidade.

Sendo esta a realidade, é bastante sábio seguir de perto as regras da Instrução Geral do Missal Romano, colocando os avisos depois da Liturgia Eucarística e antes da Despedida, onde eles têm menos chance de interromper a estrutura de orações desenvolvida pela liturgia. Deixar que aconteçam declarações dos cantores ou ainda de outros antes da Procissão de Entrada nada tem a ver com o rito e se parecem mais com locuções feitas para se ganhar a atenção da Assembléia. Avisos não devem ser feitos antes de a Missa começar, salvo aqueles relacionados a assuntos absolutamente necessários ao entendimento do povo da celebração em si ou outros assuntos prudentemente sugeridos pelo sacerdote.

A Missa não começa porque os cantores levantam-se e proclamam onde, quando e como ela acontece. A Missa começa quando o padre entra na igreja, com ou sem o cruciferário, librífero, leitor ou diácono.

 

4.                  Escolha cantos fáceis e tradicionais para a procissão de entrada

Os primeiros hinos cristãos foram os Salmos, textos que já tinham mais de 500 anos quando usados pela primeira vez e as melodias usadas foram herdadas das tradições judaica e grega. O mesmo princípio se aplica hoje: os hinos devem carregar uma longa tradição de fé, seja em latim ou português, na forma ou no estilo. Música litúrgica que imita a música secular deve ser deixada fora da igreja.

Hinos facilmente cantáveis com métrica e cadência familiar unirão os membros da congregação juntos em adoração e oração e na experiência do corpo inteiro do Cristo, em todos os lugares e todo o tempo. Música litúrgica ligada apenas aos tempos presentes não cumprirão essa função. Mais importante ainda, as visões e os sons da Missa, ainda que comum a todos, devem, como função última, apontar a consciência individual para o Mistério que se desdobra no Altar.

  Os hinos usados na Procissão de Entrada podem ser, também, cantados apenas pelo coral, por exemplo, uma peça digna de polifonia que levará os fiéis a abaixar seus livros ou folhetos e prestar atenção ao celebrante e os ministros caminhando para o Altar carregando o crucifixo. As pessoas não devem estar com seus olhos ocupados e perder esta bela visão. De qualquer forma, liturgistas fazem uma grande confusão acreditando que as pessoas vêm a Missa apenas porque querem cantar ou que a participação ativa do fiel se resume a isso.

 

5.                  Cante o Kyrie

Uma das mais antigas e mais facilmente reconhecidas artes da Missa não é em latim, mas em grego: o Kyrie.Ele tem se mantido, desde há muito tempo, como um símbolo vivo da união entre a Cristandade Oriental e Ocidental.  E ainda que haja um número grande de peças musicais cantadas no Rito Romano, o “Senhor, tende piedade de nós”, é, na maioria das vezes, rezado e não cantado pelo sacerdote e respondido pelo povo. Esta bela passagem do Rito Penitencial começa e termina em poucos segundos.

O Kyrie parece ter um papel diminuto na Liturgia atualmente. Baseado nisso poderíamos questionar: seria muito pedir que se tomasse um pouco mais de tempo nesta bela expressão penitencial cantando-a? Se a participação ativa no canto é o que desejamos, o Kyrie pode facilmente ser cantado por qualquer sacerdote independente de seu talento musical e respondido pelos fiéis. Ele pode ser cantado na forma original, em grego. Todos conhecem as palavras. Introduzindo uma variação musical a cada Tempo Litúrgico os cantores e liturgistas trariam variedade para dentro da Missa. No contexto da Missa ele também serve para lembrar-nos o porquê nós nos reunimos como comunidade e nos chamamos católicos (universais).

 

6.                  Escolha um Glória simples

Existem centenas de versões do Glória a disposição hoje e isso nos leva a pensar então porque as paróquias acabam usando versões “pop” do Glória, cheias de apetrechos e de falsa exuberância. Uma solução simples para inverter essa situação é ordenar o canto para uma versão que possa ser simples e facilmente aprendida e cantada por todos. Uma versão simples, em português, pode abrir caminho em direção as sensibilidades tradicionais e fazer muito para restaurar a dignidade a beleza deste canto de louvor.

Um Glória em latim é ainda o que podemos melhor chamar de eterno e continua imbatível em seu propósito de louvar a Deus na Liturgia. Se sua paróquia é uma daqueles onde mesmo o latim mais leve é temido, como é o caso de muitas paróquias por todo o país, há ainda algo que pode ser feito. Tentar usar o Glória em latim pode ser parte de seu plano reformista, mas sempre é melhor começar em uma escala de reforma menor. A Congregação pode sentir-se oprimida quando encara algo grande como o canto do Glória. O latim virá a seu tempo, porém, deve-se manter trabalhando e encaminhando a Assembléia nessa direção.

Um Glória em português é suficiente para as necessidades da comunidade na maior parte das vezes. Porém, cabe lembrar que, a Instrução Geral do Missal Romano permite que o Glória seja cantado pelo coral sozinho. Você pode querer exercitar esta opção de cantar um Glória em latim em alguns dias festivos apenas, ou parar com todo tipo de tentativa de gregoriano e passar diretamente a uma versão polifônica (clássica ou contemporânea) se houver tempo de ensaio disponível e, claro, os recursos permitirem.

 

 

TUCKER, Jeffrey e ZINNER, Arlene, “QUATORZE PASSOS PARA SIMPLES PARA MELHORAR A LITURGIA (I)” tradução realizada com permissão dos autores por Movimento Litúrgico. Disponível em http://www.movimentoliturgico.com.br/Portal/index.php?option=com_content&view=article&id=106:quatorze-formas-simples-para-melhorar-a-liturgia-i&catid=59:cat-artigos-musicas&Itemid=56. Desde 18/04/2009.


 NT (nota do tradutor): o termo é intraduzível “Donahue-style homilies”.

 NT: Gallup é um grupo respeitado de mídia americano, da mesma forma, os dados são de 2004.

 NT: mesmo sendo um artigo estrangeiro, todos os passos são válidos universalmente.

 NT: É o estilo de voz que o sacerdote usa na Forma Extraordinária do Rito Romano, por exemplo, ao pronunciar o Cânon. Os circundantes do Altar conseguem distinguir parte do que é dito, mas, a grande maioria do povo não.

As Dores de Maria

  

 

"Pietà"

"Pietà"

“…E lá estava ela, aos pés da cruz, de pé. Viu o suplício do seu filho único de perto; e era o pior suplício que alguém poderia sofrer: Ele pagava dolorosamente por crimes que não havia cometido. Ele morria pelos crimes de seus algozes. No entanto, ela permanecia de pé. O coração dilacerado por sofrer junto ao filho, e desejoso de tomar-lhe todas as dores para si. Lembrou-se das palavras do velho Simeão, e de como elas se tornaram realidade… Lembrou-se também de todas as outras vezes que aquela espada de dor transpassou seu coração, e pôs-se a esperar pelas próximas dores que sofreria por seu filho… 

Ela agora recebia o filho morto nos braços. Os que lhe rodeavam tentavam, em vão, ajudá-la a amparar o Cristo. Ninguém, a não ser ela, conseguiria. Pobre mulher… a mais feliz entre as mulheres e a mais sofredora das mães.”

Matheus Silva de Paula

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«AS SETE DORES DE NOSSA SENHORA»

1ª – A profecia de Simeão

“Eis aqui está posto este Menino para ruína e para ressurreição de muitos de Israel, e como alvo a que atirará a contradição. E uma espada traspassará tua alma”. (Lc. 2,34)

A esta palavra a SS. Virgem vê de uma maneira clara e distinta no futuro as contradições a que Jesus Cristo será exposto: contradições na doutrina, contradições no conceito público, contradições nos seus santíssimo afetos, na alma e no corpo. E esta previsão dolorosa ficou na alma de Maria durante trinta e três anos. À medida que Jesus crescia em idade, em sabedoria e em graça, no Coração de Maria aumentava a angústia de perder um filho tão caro, pela aproximação da inexorável Paixão e Morte.“O Senhor usa de compaixão para conosco, em não nos fazer ver as cruzes que nos esperavam, e se temos de sofrer, é só uma vez. Com Maria Santíssima assim não procedeu, porque a queria Rainha das dores e toda semelhante ao Filho; por isso ela via sempre diante de si todas as pelas que havia de sofrer” (Santo Afonso)

2ª- A fuga para o Egito

A profecia de Simeão começou a cumprir-se logo. Jesus apenas nascido, já é cercado pela morte. Para salvá-lo, Maria deve ir para um exílio longínquo, para o Egito, por caminhos desconhecidos, cheios de perigos. No Egito a Sagrada Família passou perto sete longos anos como estranha, desconhecida, sem recursos, sem parentes. “A viagem de volta para a Terra Santa apresentou-se mais penosa ainda, porque o Menino Jesus já era tão crescido que, levá-lo ao colo, difícil tarefa devia ser, e fazer a pé o grande trajeto parecia acima de suas forças” (São Boaventura)

3ª – Jesus encontrado no templo

“Há quem diga que toda esta dor não só foi maior de todas que Maria sofreu na sua vida, mas que foi também de todas a mais acerba”.

Nos outros seus sofrimentos tinha ela Jesus em sua companhia; mas agora via-se longe dele, sem saber onde ele se achava. Das outras dores Maria conhecia perfeitamente a razão e o fim, isto é, a redenção do mundo, a vontade divina; mas nesta dor não podia ela atinar com o motivo de Jesus estar longe de sua Mãe. Quem sabe se sua mente não se torturava com pensamentos como este: não o servi como devia, cometi alguma falta, alguma negligência, que motivasse dele se retirar de mim? Certo é que não pode haver pena maior para uma alma que tem amor a Deus, senão o temor de o ter desgostado. Realmente, em nenhuma outra dor, que nós saibamos, Maria se lamentou, queixando-se amorosamente com Jesus, depois de o ter achado:

“Filho, porque fizeste assim conosco? Olha que teu pai e eu te buscávamos aflitos” (Santo Afonso)

4ª – Maria se encontra com Jesus na via dolorosa

Pilatos tinha sentimento humano para com Jesus; tivesse ele vencidosua covardia, talvez o teria salvo do furor da multidão, ainda mais, se à súplica de sua mulher se tivesse unido um pedido da Mãe de Jesus. Maria, porém, não se move naquela hora tremenda, que decide da vida ou da morte de seu Filho, porque sabe, que o Filho podia por si, sem auxílio alheio, livrar-se dos seus inimigos, e se se deixa como um cordeiro levar ao suplício, então é porque o faz espontaneamente, cumprindo a vontade de Deus. Maria ainda não se move, quando a sentença já é irrevogavelmente pronunciada. Vai ao encontro de Jesus que, carregado do peso da cruz, se encaminha para o Calvário. Vê-o todo desfigurado e entregue, coberto de mil feridas e horrivelmente ensangüentado. Seus olhares se cruzam. Nenhuma queixa sai da sua boca, porque as maiores dores Deus lhe reservou para a salvação do mundo. Aquelas duas almas, heroicamente generosas, continuam juntas no seu caminho do sofrimento, até o lugar do suplício.

5ª – Jesus morre na cruz.

Chegam ao Calvário. Os algozes despojam Jesus das suas vestes, pregam-no na cruz, levantam o madeiro e sobre ele deixam-no morrer. Maria agora se aproxima da cruz e perto da cruz fica, e assiste à horrível agonia de três horas. “Que espetáculo ver-se o Filho agonizante sobre a cruz, e ver-se ao pé da mesma agonizar a Mãe, que todas as penas sofria com seu Filho! (Santo Afonso). “O que os cravos eram para o corpo de Jesus, para o coração de Maria era o amor” (São Bernardo). “No mesmo tempo que Jesus sacrificava o corpo, a Mãe imolava a alma” (São Bernardo). E não pode dar ao Filho o menor alívio; ainda saber que o maior tormento para o Filho era ver present5e sua Mãe, que dor, que sofrimento! O único alívio para a Mãe e para o filho era saber, que das suas dores resultava para nós a vida eterna.

6ª- Abertura do coração de Jesus pela lança e descimento da cruz

Jesus morrendo, exclamou: “Consummatum est” – Tudo está consumado. Estava completa a série dos sofrimentos para o Filho, não porém, para a Mãe. Quando ela está chorando a morte do filho, um soldado vibra a lança contra o peito de Jesus, abrindo-o, e sai sangue e água. O corpo morto de Jesus não sente mais a lançada; mas sentiu-a a Mãe no íntimo do coração. Tiram o corpo do Filho da cruz. O Filho é entregue à Mãe, mas em que estado! Antes o mais belo entre os filhos dos homens, agora está todo desfigurado. Antes, era um prazer olhar para ele; agora, seu aspecto é horroroso. Quando morre um filho, trata-se de afastar do cadáver a mãe. Maria, pelo contrário, não deixa que lho tirem dos seus braços, senão quando é para sepultá-lo.

7ª – Jesus é colocado no sepulcro.

“Eis que já o levam para sepultá-lo. Já se põe em movimento o doloroso préstito. Os discípulos levam o corpo de Jesus sobre os ombros. Os Anjos do céu o acompanham. As santas mulheres seguem e, no meio delas, a Mãe. Querem que ela mesma acomode o corpo sacrossanto de Jesus no sepulcro, precisando por a pedra para fechar o sepulcro, os discípulos precisam dirigir-se à SS. Virgem, e lhe dizer: “Agora é hora de vos despedir, Senhora; deixai que fechemos o sepulcro. Muni-vos de paciência! Olhai-o pela última vez e despedi-vos de vosso filho”. Moveram a pedra e colocaram-na no seu lugar, fechando com ela o santo sepulcro. Maria, dando um último adeus ao Filho e à sepultura, volta para casa” (Santo Afonso). “Voltou tão triste a aflita e pobre Mãe, que todos a viam, dela se compadeciam e choravam” (São Bernardo) Só no nosso coração não haverá lágrimas para Maria? Não choramos nós, que somos a causa de tantas dores? Ah! Se nos faltam lágrimas de sentimento dos nossos olhos sensíveis, choremos pelo menos lágrimas de penitência, expressão ainda do firme propósito, de não mais cometermos pecado algum. Foram os nossos pecados que levaram à morte o nosso Irmão primogênito, e transpassaram o coração dulcíssimo de Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe

Fonte: Igreja online

Boletim Civitas Dei – nº IV

 

A Obediência ao Romano Pontífice

A Obediência ao Romano Pontífice

 

 

“Este quarto número do boletim Civitas Dei é apresentado em um momento particularmente duro para nosso amado Pastor, o Papa. A cada momento, sua cruz fica mais pesada com as críticas e as infâmias que vem recebendo da mídia, dos governantes, dos adeptos de outras religiões e, o que é mais penoso, daqueles que se dizem católicos. Assim, o Santo Padre fez da carta que escreveu sobre a revogação da excomunhão dos lefebvristas um verdadeiro desabafo: “Fiquei triste pelo fato de inclusive católicos, que no fundo poderiam saber melhor como tudo se desenrola, se sentirem no dever de atacar-me e com uma virulência de lança em riste.” Em comunhão com os sofrimentos do Santo Padre, e encorajando a uma cada vez maior obediência filial a ele, dedicamos esta edição à bela e necessária virtude que é a fidelidade ao Sucessor de São Pedro, consequência da fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo, que confiou Suas ovelhas ao primeiro entre os Apóstolos e a seus sucessores na Cátedra Romana. Nestes tempos se impõe que se tolere tudo, mas “às vezes ficase com a impressão de que a nossa sociedade tenha necessidade pelo menos de um grupo ao qual não conceda qualquer tolerância, contra o qual seja possível tranquilamente arremeter-se com aversão. E se alguém ousa aproximar-se do mesmo – do Papa, neste caso – perde também o direito à tolerância e pode de igual modo ser tratado com aversão sem temor nem decência”, diz o Papa em sua carta. Permaneçamos firmes junto a ele, permaneçamos firmes sobre o Rochedo que fundamenta a Igreja; não abandonemos nossa Mãe e Mestra, mas defendemo-la até a total humilhação e a morte, se preciso for.”

Editorial

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Para obter o boletim, basta clicar na imagem no topo da postagem, e aguardar o redirecionamento para o sítio Sociedade Católica.

POR QUE A IGREJA CATÓLICA TEM SIDO TÃO DURAMENTE ATACADA?

 

Por Marcos Monteiro Grillo

Que a Igreja Católica, nos últimos anos, tem sofrido uma série de ataques, isso não é novidade alguma. Especialmente por causa da defesa dos princípios e valores morais cristãos, a Igreja tem sido acusada de “ultrapassada”, “retrógrada”, “insensível”, “obtusa” etc. Não obstante, nas últimas semanas temos visto a Igreja Católica no Brasil ser alvo de impropérios ainda mais furiosos. Isso por causa das atitudes de dois Bispos: o Arcebispo da Paraíba, Dom Aldo Di Cillo Pagotto, e o Arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho. O primeiro por ter suspenso o Pe. Luiz Couto de suas atividades sacerdotais, em razão do referido padre ter manifestado, numa entrevista, ser contrário ao celibato clerical, a favor do uso da camisinha e contra a discriminação aos homossexuais (sendo importante salientar que os ativistas homossexuais costumam classificar como “discriminação” qualquer crítica que se faça ao comportamento homossexual). Já Dom José Cardoso Sobrinho tem sido execrado por ter anunciado a excomunhão dos médicos, familiares e outras pessoas que participaram do aborto de dois bebês gêmeos, filhos de uma menina de 9 anos estuprada pelo padrasto.

Muito já se tem dito sobre as atitudes dos dois Bispos citados, razão pela qual não pretendemos nos alongar comentando-as. O objetivo do presente artigo é propiciar uma reflexão sobre as razões pelas quais esses dois episódios têm causado tanta celeuma e despertado tanto ódio.

Em primeiro lugar, chama-nos a atenção a ignorância daqueles que se apressam em comentar os acontecimentos em questão. No caso de Dom Aldo Pagotto, a grande maioria das pessoas demonstra ignorar completamente o grande significado que o ofício sacerdotal tem na Igreja Católica. Com efeito, a responsabilidade de um sacerdote católico é muito grande. Ao sacerdote compete ministrar os sacramentos da Igreja, os quais foram instituídos pelo próprio Senhor Jesus Cristo para a salvação e crescimento espiritual dos fiéis. Não é à toa que, quando ministra um sacramento, o sacerdote atua in persona Christi, ou seja, ele faz as vezes de Cristo, é como se fosse o próprio Cristo a ministrar o sacramento! Sendo assim, é evidente que o sacerdote deve estar em íntima e perfeita comunhão com a Igreja, de quem recebeu, pelo sacramento da Ordem, o múnus sacerdotal, e isso para que não venha a causar confusão ou escândalo entre os fiéis na sua condição de sacerdote, e para que não exista o risco de que esse sacerdote ministre sacramentos invalidamente. No caso do Pe. Luiz Couto, restou claro que ele não está em perfeita comunhão com a doutrina da Igreja (a qual prevê o celibato clerical, proíbe o uso da camisinha e não hesita em reprovar a prática homossexual como pecaminosa, ainda que tal reprovação seja considerada “discriminação”). É por essa razão, ou seja, pelo fato do Pe. Luiz Couto demonstrar publicamente suas discordâncias com relação à doutrina católica e sua insubordinação à autoridade da Igreja, causando escândalo e outros danos aos fiéis, que Dom Aldo o suspendeu de suas funções sacerdotais. No entanto, nada disso é levado em consideração pelos críticos do Arcebispo da Paraíba. Para tais críticos, Dom Aldo não passa de um “Inquisidor”, um Bispo “insensível” que está “perseguindo” o Pe. Luiz Couto. Não existe a menor preocupação em saber as verdadeiras razões da suspensão do sacerdote, muito menos em conhecer as responsabilidades e os deveres de um Bispo no cuidado do rebanho que lhe foi confiado.

A mesma ignorância ficou patente no episódio envolvendo Dom José Cardoso Sobrinho. Ora, o Arcebispo de Olinda e Recife não excomungou ninguém! Ele apenas tornou pública a pena prevista pelo Código de Direito Canônico vigente para aqueles envolvidos na prática do aborto:

Cân. 1398 – Quem provoca o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae.”

Em outras palavras, quem colabora na realização de um aborto está automaticamente excomungado, não sendo necessário nenhum processo prévio e nem que alguma autoridade eclesiástica profira a sentença [1]. Essa é a lei da Igreja, e Dom José Sobrinho não fez nada além de torná-la pública. (Obs.: se algum leitor deste artigo envolveu-se, direta ou indiretamente na prática de um aborto, pedimos que, caso não se sinta à vontade para continuar a leitura, vá direto para o último parágrafo, e depois, se assim o desejar, pode voltar e ler o artigo na íntegra.)

Mas, além disso, Dom José Sobrinho também tem sido criticado por pelo menos outros dois motivos: 1) por não ter “excomungado” o estuprador da menina; e 2) por ter dito que o aborto é um pecado mais grave do que o estupro. Ora, com relação à primeira acusação, a verdade é que, como já dissemos, Dom José Sobrinho não excomungou ninguém, mas apenas tornou pública a pena prevista pelo Código de Direito Canônico para pessoas envolvidas na prática do aborto. Além disso, o estupro, embora seja um pecado gravíssimo, não é punível com pena de excomunhão de acordo com a lei da Igreja, o que não quer dizer, de forma alguma, que o estupro é um pecado “tolerado” pela Igreja. A pena de excomunhão para quem pratica o aborto visa proteger a vida humana em seu estágio mais frágil, isto é, proteger o ser humano quando este se encontra totalmente indefeso e inocente. Quanto à segunda acusação, é o caso de perguntarmos: o que é mais grave, um estupro ou a morte de um ser humano? A resposta parece-nos óbvia. E ninguém pode negar que todo aborto significa a morte de um ser humano absolutamente inocente e indefeso.

Mas a ignorância não é o único fator dentre aqueles aos quais podemos atribuir a onda de ódio que tem se abatido sobre a Igreja no Brasil. Podemos destacar, em segundo lugar, o hedonismo, ou seja, a filosofia segundo a qual tudo que importa (ou o que mais importa) é o prazer individual e imediato, filosofia essa que grassa em nossos dias. Sendo assim, tudo que represente um obstáculo a essa busca desenfreada pelo prazer torna-se objeto de repulsa, e essa é uma das razões pelas quais Dom Aldo Pagotto e Dom José Sobrinho passaram a ser vistos com maus olhos pela grande maioria da opinião pública: o primeiro por ter reafirmado a moral católica ao suspender um sacerdote que vinha insistindo em se posicionar ao lado do ativismo homossexual (e, como já dissemos, a moral católica reprova a prática homossexual), devendo-se ressaltar que a moral católica prescreve a vivência da sexualidade de forma responsável, dentro do matrimônio e aberta à vida, princípios que constituem um empecilho a uma experiência mais “livre” da sexualidade; já com relação a Dom José Sobrinho, sua radical e contundente crítica ao aborto (em total consonância com a doutrina da Igreja, diga-se de passagem) não poderia mesmo ser vista de forma positiva numa época em que o aborto de gestações “não planejadas” (ou “indesejadas”) parece algo “normal”, um “direito” da mulher (como se o direito da mulher sobre o seu corpo incluísse a possibilidade de decretar a morte de um ser humano que tivesse a “desventura” de surgir em seu ventre).

Podemos ainda citar, dentre as causas da ira acirrada contra a Igreja Católica nas últimas semanas, o relativismo e osubjetivismo que imperam em nossos dias. Na atualidade, parece só existir uma única verdade absoluta, a saber, que não existem verdades absolutas! Assim sendo, o posicionamento da Igreja Católica seria tão-somente um posicionamento entre outros igualmente “legítimos” e “válidos”, todos “equivalentes”, não podendo a Igreja Católica ter a “pretensão” de deter a verdade sobre o que quer que seja (nem mesmo em matéria de fé e de moral!). Já o subjetivismo pode ser entendido como a idéia de que cada um pode e deve ter a sua própria opinião sobre tudo (mesmo que se ignore completamente o assunto em questão), que a verdade varia de acordo com a percepção de cada um, e que por isso ninguém pode pretender “impor” a sua “opinião” a outrem. Por causa desse relativismo e desse subjetivismo, Dom Aldo e Dom José Sobrinho cometeram “crimes inaceitáveis”, o primeiro por suspender um padre que manifestou publicamente suas opiniões contrárias à doutrina da Igreja (“ora, todo mundo tem o ‘direito’ de expressar suas opiniões sem corre o risco de ser punido por isso!”), e o segundo por anunciar, em conformidade com a lei da Igreja, a excomunhão de pessoas envolvidas numa prática radicalmente condenada pela Igreja (“mas, ora, o aborto deve ser um ‘direito’ que as pessoas possam exercer quando bem entenderem, e a Igreja não tem nada com isso!”).

Destaque-se também a superficialidade que caracteriza os nossos dias. O que vemos atualmente é que a grande maioria das pessoas parece não levar nada muito a sério. Tanto as relações interpessoais quanto as relações com a Igreja e as demais religiões, com as instituições, enfim, tudo parece ser vivido de forma superficial, sem comprometimento, sem seriedade. Por isso soam tão “absurdas” as atitudes de Dom Aldo e de Dom José Sobrinho, que se prendem a “filigranas”, a “dogmas” que não têm espaço nem valor num tempo no mundo de hoje, cujo lema bem poderia ser: “viva e deixe viver”!

Finalmente, dentre as causas da ojeriza da qual a Igreja tem sido alvo nas últimas semanas, citamos o laicismo feroz que tem se difundido em nossos dias, segundo o qual a Igreja não deve se intrometer na vida pública, ou deve se intrometer o mínimo possível. Por isso se tem defendido com veemência o banimento de crucifixos e demais símbolos católicos dos espaços públicos; por isso se tem rechaçado energicamente a intervenção da Igreja na discussão das “políticas públicas” relativas, por exemplo, à legalização do aborto, ao uso das células-tronco embrionárias em pesquisas científicas, à distribuição de camisinhas, à criminalização da “homofobia”, etc. Nesses e em outros assuntos, a ordem é que “Igreja e Estado não devem se misturar”, como se a Igreja Católica, tendo sido fundada há 2.000 anos por Nosso Senhor Jesus Cristo (de quem recebeu a missão de anunciar ao Evangelho, preservar a doutrina e ministrar os sacramentos) e tendo influenciado decisivamente toda a civilização ocidental, não pudesse ter o direito nem a “pretensão” de expressar o seu posicionamento com relação a assuntos de suma importância para os indivíduos e para a sociedade como um todo. Infelizmente, esse laicismo exacerbado é sinal de um afastamento cada vez maior de Deus e do sagrado, num mundo onde as pessoas parecem muito mais preocupadas em “curtir a vida” (por isso também o culto ao corpo e à saúde, e a avidez por mais e mais bens materiais) do que em encontrar o verdadeiro e único sentido da nossa existência: Deus. Também por isso Dom Aldo Pagotto e Dom José Sobrinho tornaram-se pessoas “inconvenientes”. A própria Igreja Católica torna-se a cada dia mais “inconveniente”, e por isso deve calar-se, como devem se calar Dom Aldo Pagotto e Dom José Sobrinho. Mas a Igreja de Cristo jamais se calará, e “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt. 16,18).

Queremos concluir este artigo com uma palavra a todas as pessoas que porventura tenham contribuído, direta ou indiretamente, para realização de um aborto. Não é desejo da Igreja condenar ninguém, nem mandar ninguém para o inferno. A Igreja não deseja que ninguém sofra sob o peso da culpa. A Igreja tem o dever de ser “sal da terra” (Mt 5,13) e “luz do mundo” (Mt 5,14-16), isto é, o dever de indicar à humanidade os modelos a serem seguidos. E tal dever, longe de ser uma “absurda pretensão da Igreja”, é um dever que foi confiado a ela pelo Seu Fundador, Nosso Senhor Jesus Cristo, dever esse ao qual a Igreja jamais se furtará. Não obstante, à Igreja também foi outorgado o poder do perdão e da reconciliação (“Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.” Jo 20, 23). Nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio da Sua Igreja, está pronto a perdoar a todo aquele que estiver sinceramente arrependido. Por isso pedimos a todos os católicos que eventualmente participaram de um aborto que procurem, o quanto antes, um padre que seja reconhecidamente sério, responsável e fiel à doutrina da Igreja (dizemos isso porque, lamentavelmente, nem todos os padres têm essas características), ou mesmo o Bispo de sua Diocese, a fim de confessarem os seus pecados e receberem a graça do perdão e da reconciliação com Deus e com Sua Igreja

 

 

[1] Com relação à aplicação das penas previstas no Código de Direito Canônico, especialmente no que diz respeito ao caso em questão (bem como ao delito do aborto de um modo geral), é importante ressaltar as informações abaixo, todas extraídas do referido Código:

Cân. 1323 – Não é passível de nenhuma pena, ao violar a lei ou o preceito:

1º quem ainda não completou dezesseis anos de idade;

(…)

Cân. 1324 – § 1. O autor da violação não se exime da pena, mas a pena estabelecida pela lei ou pelo preceito deve ser mitigada ou substituída por uma penitência, se o delito foi cometido:

1º (…)

5º Por alguém que foi coagido por medo grave, mesmo que só relativo, ou por necessidade, ou por grave incômodo, se o delito for intrinsecamente mau ou redundar em dano das almas;

(…)

§ 3. Nas circunstâncias mencionadas no § 1, o réu não incorre em penas latae sententiae.”

Dessa forma, há que se levar em consideração as informações acima quando do julgamento e da aplicação de penas a mulheres, adolescentes ou mesmo crianças cujos filhos venham a ser abortados. 



GRILLO, Marcos Monteiro. Apostolado Veritatis Splendor: POR QUE A IGREJA CATÓLICA TEM SIDO TÃO DURAMENTE ATACADA?.Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/5666. Desde 27/03/2009.